O silêncio de um sorriso
Ao cair da noite daquela fatídica quinta-feira de setembro, o homem conhecido pelo seu sorriso fecha a porta de seu gabinete e um prolongado silêncio permanece. Larga o discurso, pega as anotações sobre as mudanças drásticas que planejava fazer na manhã seguinte e lê.
Ao lado cama, na mesinha-de-cabeceira, o vidro do remédio que tomava rotineiramente para a pressão baixa e um copo. No chão as chinelas de um homem que dera os primeiros passos para a realização de seu sonho. Um pouco mais distante de si, na gaveta direita da escrivaninha, o seu testamento.
Agora, sentado na cama, com seus óculos a meio nariz e alguns papéis nas mãos, ele sorri e com seu último suspiro, morre também seu sonho.
Manhã do dia seguinte, 29 de setembro de 1978, o papa João Paulo I, Albino Luciani, conhecido como o “Papa Sorriso”, é encontrado morto quando completava apenas 33 dias de pontífice. A causa da morte, segundo o Vaticano, infarto do miocárdio. O laudo é fornecido sem nenhuma autópsia e seu corpo é embalsamado doze horas depois de sua morte.
Na tarde de sábado, dia 30 de setembro, o corpo do pontífice é transferido para Basílica de São Pedro. Uma grande parte do mundo assistia pela televisão, enquanto o cortejo atravessa a Porta de Bronze e saía em direção a Praça.
Em todo o mundo, homens informados e desinformados criticaram e avaliaram a vida e a morte de Albino Luciani. Muitas das publicações a respeito da morte daquele “sorriso”, revelam mais a respeito do autor do que da vida daquele homem. A imprensa, sempre muito ‘extraordinária', abusou de seu caráter eufórico e afobado para construiu e destruiu paradigmas entre João Paulo I e sua morte súbita.
Primeiro a irresponsabilidade do espanto: “Somente agora se sabe que o Cardeal Luciani tinha um longo registro de doenças, embora não fatais”, frase do Observer . O confronto entre a pressão e o prazo de fechamento dos jornais, obrigou os jornalistas a se basearem em dados superficiais. Na verdade, conclusões tão extremas como “Luciani fumava demais”, “ele só tinha um pulmão”, “sofrera de crises de tuberculose” ou “ele tivera quatro ataques cardíacos”. Outros ainda mencionaram que ele padecia de enfisema, doença crônica nos pulmões, flebite, normalmente causas do cigarro. Mentira e exagero.
Mesmo em morte o papa era alvo da distorção da imprensa. Criavam-se comentários negativos inspirados pela própria cúria romana, mais preocupada em expor sua opinião sobre o falecimento do papa do que em revelar a verdade. A revista Newsweek condenou o falecido pontífice como traidor. O jornal The New York Times comparou Luciani a um popular comediante italiano que ‘só precisava se mostrar ao público para receber ovação'.
Depois do último suspiro de Albino Luciani a mídia do mundo inteiro divulgou histórias e estórias para aquela triste noite de 28 de setembro. Os jornais publicaram, as rádios cantaram, as emissoras de TV encenaram , mas foi David Yallop quem decifrou a gigantesca controvérsia sobre a vida e morte de João Paulo I.
Em meu nome
O jornalista britânico aparentemente é um idealista, um homem sedento por verdade e por justiça, entretanto, a forma como Yallop ‘beatifica' o Papa Sorriso indica a parcialidade como o ex-assessor de imprensa de Luciani o apresenta.
Demérito ou não, o sorriso daquele homem não deixou motivos plausíveis para que se concluísse o contrário. A morte de um papa que ocupou o trono de São Pedro por apenas 33 dias, oficialmente, não contém nenhum mistério, nenhuma violência nem tampouco quaisquer resquícios de conspiração. No entanto, absolutamente nada combinava com a teoria da cúria, até mesmo seus próprios argumentos: “Nada vaza do Vaticano sem um propósito especifico”.
As controvérsias absurdas em torno do episódio incitaram o talentoso inglês a investigar, durante dois longos anos, as mais variadas pessoas e entidades relacionadas com aquele homem. Depois de meticulosa pesquisa, Yallop desvenda um crime aparentemente insolúvel e realizado ‘em nome de Deus'. Ora secretário papais, ora sociedades secretas. Um dia arquivos do departamento de Estado americano, em outros dossiês do FBI. Vezes a máfia, vezes a maçonaria.
David Yallop concluí que embolia pulmonar nada mais se trata do que uma máscara forjada pela cúria romana e seus capangas para esconder o sangue na sua face. Não só os olhos da cúpula católica assistiram, como suas mãos agiram e sua mente arguciosa planejou, não só o antes, mas o depois.
O autor é categórico em dizer que o Vaticano é o assassino daquela noite e de muitas outras. As cifras gritaram mais alto que a vida, empurraram as mentes entorpecidas pelo poder a encher a taça de Albino Luciani de digitalina - ou qualquer das outras 200 drogas fatais, que um exame externo do corpo, concluísse a morte como causa natural. Afinal a maneira mais eficiente de matar o Papa era com veneno. Um atentado público, com um assassinato dramático a tiros no meio da Praça de são Pedro, acarretaria um a investigação aguçada interrompendo a corrupção.
Aquele pequeno e quieto italiano de 65 anos, dono de um notável sorriso, pelo qual ficou conhecido, tencionava remover o sorriso de diversos rostos. Yallop descobre a presença da corrupção nos diversos meios da igreja romana, tanto nos círculos financeiros, políticos como clericais. Uma cadeia cíclica de crimes organizados numa conspiração internacional. Luciani havia desperto o gigantesco monstro da máfia e da maçonaria.
‘O Papa Sorriso' começara uma revolução. Ele iniciara uma investigação ao Banco do Vaticano, ao seu secretário de Estado, a acumulação de riqueza e poder da maçonaria P2 e a penetração da mesma dentro do Vaticano.
A rede de irregularidades descobertas pelo Papa incluía lavagem de dinheiro e traição. Todas as aberrações que Luciani constatara sufocava sua declarada origem socialista, impedindo seu silêncio. Infelizmente não permitiram que ele vivesse para ver sua casa limpa.
David Yallop expõem comprometedoras revelações de que a morte do papa Albino Luciano não foi causa natural, mas um homicídio gerado pela ganância de homens com propósitos totalmente opostos ao do papa sorriso: “construir uma igreja para os pobres”.
Em nome de Deus supostos ‘santos', usaram a mídia para esconder as mortes, os roubos, as chantagens e quaisquer provas que desvendassem suas identidades mefistofélicas. Yallop ao desmarcarar a cúria convence de que o assassinato era a sina daquele sorriso ‘acostumados às pequenas coisas e ao silêncio'.
Todas as provas para essas declarações estão escritas ‘em nome de Deus'.
Cabreira