A poesia de Georgio Rios – Alberto Caeiro em tempos modernos
Não sei ao certo a intenção de Georgio com o título do livro, mas sei que descreve bem a sensação que segue o fechar da última página, impressão de depois da chuva, enlevo. E livro bom é aquele que enleva quem lê, e o faz ir à busca de mais e mais do autor.
Como esse é praticamente o livro de estreia de Georgio Rios, 73 páginas editadas pela Editora Multifoco, do Rio de Janeiro, resta aguardar o próximo, como o sertanejo que espera as chuvas de janeiro, ou conferir o samizdat-like Só Sobreviventes (Editora Tulle, 2008), livro em parceirada.
Chuva, sertão e poesia. Georgio é sujeito que trabalha esses três elementos, misturando-os mesmo com a desproporção de seus ingredientes. E é isso que o torna um poeta agudo: o seu escrever não é de vez em quando porque algo aconteceu, pelo contrário ele faz acontecer algo do nada. É o que é a poesia, fazer chover nos versos escritos na terra árida.
A alquimia desse jovem poeta vem de Riachão do Jacuípe, interior da Bahia, e perambula “entre pés de algarobeira”. Essa árvore que lhe ornamenta o cenário é inspiração, matéria-prima de seus versos, e percebe-se que é dessa maneira que os compõe, em estalo, com espontaneidade. Suas transmutações, / Do fogaréu, fez-se o poema. / (Depois da Chuva, pág. 15), /Um sol / em / uns sopros / sopranos / saxofones (...) / dentro da inviolável esfera que pensa. / (Depois da Chuva, pág. 35), / Do branco / do teus cabelos / a neve pela primeira vez (Depois da Chuva, pág. 54).
Há entre o leitor e escritor diálogo de sensações; existe porque Georgio é poeta da natureza e do cotidiano – / O vento lento / varre a calçada / levando a poeira e o sol / (Depois da Chuva, pág. 47), / Era noitinha, / um frio estava lá fora, / soprando suas vozes, / no vidro da janela / (Depois da Chuva, pág. 65). É, pois, um poeta do admirar e do trivial. Seus versos são demasiado sonoros e não prescindem de ser lidos em voz alta, para que alcancem toda a sua expressão. A aliteração seja porventura sua figura preferida: / Desligar o celular / As células. / (Depois da chuva, pág. 20), além do que, já basta como exemplo os versos acima citados.
Foi como quem assistisse a chuva cair que li esse livro de Georgio, deslumbrado e torcendo para que não acabasse. Depois da Chuva é dividido em três partes: Das garrafas ao mar aberto, haicais e Garrafas beijando o mar depois da chuva. Mas esse livro nasce já na introdução, o poeta nos avisando que cada poema seu é uma garrafa jogada ao mar, como diz Quintana, e verdade também é que, sendo assim, esse livro é o pequeno tesouro desse poeta, sinal de que ele conseguiu ser resgatado, suas mensagens chegaram à leitura de outros e enfim ele se achou no mar de poesia, podendo agora seguir orientado nesse oceano.
Essas e outras metáforas estão nos parágrafos que preambulam o livro. Por isso digo que a poesia emana desse jovem escritor, ora nos versos ora nos recados ou colóquios.
Com relação às suas influências, desde o persa e longínquo Omar Khayyam ao nosso mais recente Leminski, Georgio se encontra. Ou tenta se encontrar, e ele o sabe. Sabe que sua voz precisa se afirmar, ampliar-se, perfazer caminhos, enfrentar o mar alto, fugir das grandes ondas, e soube, quando da leitura desse sexto parágrafo, que ao menos já encontrou seu rumo, o do lirismo que habita no dia-a-dia de cada um, no pôr-do-sol, no vento balouçando as folhas, no espelho, nos pássaros, na flor, na poça d'água e no mar e no móvel empoeirado, onde quer que sua voz ecoe.
Particularmente, o que mais gosto em Georgio é o seu haikai. Penso ser esse o ponto de equilíbrio de sua obra, em que o lirismo cede e ele lança mão de uma poesia moderna e arrojada, isso somado à ocorrência de temas mais tradicionais do hakai, a natureza essencialmente. Nota-se aqui o quanto Leminski lhe serve de referencial teórico e na práxis poética.
Por fim, resta-me um comentário geral a respeito desse poeta, em cujo esforço criativo prevalece uma espécie de neobucolismo, seja em haikai ou versos livres. Georgio, portanto, agrega as características da vida natural, sem malícias, campestre, de certo modo, e a modernidade, com seus blogues, celulares e instantaneidade; como se Pessoa tivesse se adaptado aos dias de hoje.