Obra é uma antologia com os praticantes brasileiros do haicai, Quarta (28), 19 horas

LITERATURA - [ 26/10 ]

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Existem três hipóteses para o gosto dos escritores brasileiros pelo haicai, poema de origem japonesa Estudioso há 25 anos da aclimatação da forma poética mais importante do Japão, Rodolfo Witzig Guttilla explica os motivos em "Boa Companhia Haicai" (Companhia das Letras, 192 págs., R$ 32,50), antologia em que ele reuniu a produção de autores de tendências e gerações diversas.

Para ele, a brevidade e o humor são características fundamentais do haicai (segundo o dicionário Houaiss, hai significa gracejo e brincadeira, enquanto kai, harmonia e realização). "De modo breve, um haicaísta mostra a grata aceitação pela vida", diz. "O autor expressa o aqui e agora sem ser cerebral e com economia de força." A prática do haicai exige certos estados de espírito. Guttilla menciona como principais a abnegação, a aceitação da solidão, o acolhimento das contradições, a busca por simplicidade e o sentimento de liberdade.

Jornalista e antropólogo, Guttilla explica que a forma poética aportou no País com o aparecimento do modernismo, que implodiu a sintaxe e métrica tradicionais. "O humor se tornou desejável e um traço comum." Ele cita as blagues cortantes de Oswald de Andrade que, em vez de haicais, eram classificadas como "poemas piada, uma forma de diminuí-lo".

O terceiro elemento está no aspecto formal. As redondilhas maiores (versos de sete sílabas) e menores (cinco sílabas), as estruturas mais comuns na poesia de língua portuguesa, têm semelhanças com o haicai, fixado no Brasil por Afrânio Peixoto como um poema de três versos - de 5, 7 e 5 sílabas. A diferença é que, no Japão, o haicai se afirmou como caminho para o autoconhecimento e, no Brasil, ele se tornou uma forma poética.

Alice Ruiz é um dos autores da antologia. Convidada para dividir uma mesa com Olga Savary e Carlos Vogt, Alice fala sobre a sua produção na Livraria da Vila, às 19 horas de quarta-feira (28), em evento que lança "Haicai". Paranaense, ela teve o primeiro contato com o poema minimalista em 1968, levada por Paulo Leminski, que seria seu companheiro por mais de 20 anos. Nos anos 1980, lançou os primeiros livros com os poemetos: "Pelos Pelos" e "Vice-Versos". Tradutora de poetas japoneses do século 18, ela é hoje uma das principais divulgadoras do haicai.

Há 20 anos, Leminski atualizou o poema japonês, popularizado no Brasil, entre os anos 1950 e 1970, por Millôr Fernandes, que os divulgava na imprensa. Guttilla afirma que o período dos anos 1990 em diante foi de pasmaceira, sacudida por Alice e seu livro "Desorientais". Poeta da geração de 1960, o paulista Carlos Vogt flertou com o haicai em "Cantografia", sua estreia, marcada pelo senso de humor e o exercício da brevidade. Nos anos 1980, a paraense Olga Savary recebeu o primeiro reconhecimento por seus haicais, aos quais se dedicava fazia 40 anos. Em "O Livro dos Hai-Kais", ela traduziu Matsuó Bashô (1644-1694), Yosa Buson (1716-1784) e Kobayashi Issa (1763-1827).

Segundo Guttilla, Bashô elevou o haicai à condição de kadô (caminho da poesia), impregnando-lhe a visão de mundo zen. Essa percepção incorpora a herança do confucionismo e do budismo e, o mais importante, a ideia de totalidade. Aos 25 anos, Bashô renunciou à sua condição de samurai para ser monge andarilho. A sua produção expressa a beleza das coisas simples, imperfeitas e transitórias.

Em seu estudo pioneiro, Guttilla revela que o primeiro a falar sobre haicais foi o paulista Monteiro Lobato. Publicado por "O Minarete" em 1906, o artigo "Poesia Japonesa" trazia seis poemetos traduzidos por Lobato. Essa descoberta desbanca a versão de que Afrânio Peixoto, criador da forma abrasileirada, teria sido o primeiro a tocar no assunto. De qualquer maneira, estava aberto o caminho para autores de diferentes estilos, como Erico Verissimo, Haroldo de Campos, José Paulo Paes, Luís Aranha e Waldomiro Siqueira Jr., alguns dos 24 selecionados para a antologia

Guttilla publica, pela primeira vez em livro, os primeiros haicais de Carlos Drummond de Andrade, divulgados na revista "Para Todos", em 1925. Ele mostra a importância de Guilherme de Almeida, que teria premiado "Magma" (1936), livro de estreia de João Guimarães Rosa. A especulação faz sentido porque "Magma", inédito até 1997, traz nove haicais que podem ter comovido Guilherme, o único jurado do prêmio de poesia da Academia Brasileira de Letras.

TRECHOS

* DRUMMOND

Num automóvel aberto

riem mascarados.

Só minha tristeza não se diverte.

Não tenho dinheiro no banco,

porém,

meu jardim está cheio de rosas.

* AFRÂNIO PEIXOTO

Na poça da alma.

Como no divino céu

Também passa a lua

As coisas humildes,

Têm o seu encanto discreto:

O capim melado...

* PAULO LEMINSKI

essa estrada vai longe

mas se for

vai fazer muita falta

nadando num mar de gente

deixei lá atrás

meu passo à frente

* MILLÔR FERNANDES

Há colcha mais dura

Que a lousa

Da sepultura?

Quando estamos sós,

Devemos nos tratar

Por vós.

SERVIÇO:

"Boa Companhia Haicai". De Rodolfo Witzig Guttilla. Livraria da Vila. Alameda Lorena, 1.731, 3062-1063. Quarta (28), 19 horas.

Douglas Lara
Enviado por Douglas Lara em 28/10/2009
Código do texto: T1891726