O outro pé da sereia – Mia Couto.














 
     Ontem acabei de ler O outro pé da sereia, de Mia Couto. Ganhei de minha amiga Helena no Natal passado. Eu já tinha lido outro livro do autor, Um rio chamado tempo, uma casa chamada vida e tinha gostado muito. Gostei tanto que me inspirei no título para iniciar um livro com as minhas memórias. Que afinal ainda não passou do primeiro capítulo: Uma casa na frente do rio, um rio no fundo da casa.  Gostei deste também. 

    Mia Couto é um escritor de língua portuguesa nascido em Moçambique. Mas seu nome não é Mia: é Emílio. Antonio Emílio. Seu irmãozinho não conseguia falar seu nome. Além do mais ele tinha paixão por gatos. Sua escrita é repleta de encantamento. Autor de vários romances, cria personagens e lugares muito interessantes. O outro pé da sereia é uma história que se passa em dois tempos. O muito antigamente e o quase hoje. Mas os tempos estão unidos, não há muita diferença entre eles. Nas colônias o tempo passa devagar.  Nas ex-colônias também. Principalmente em África.

   A história vem resumida na orelha do livro. Portanto não há indiscrição ao contá-la. Porque não é a história que importa: o que importa é como ela é contada. 

       Mwadia Malunga e seu marido Zero Madzero encontram uma imagem de Nossa Senhora próxima ao rio que passa em Antigamente. Que é um lugar, não um tempo. Um lugar que existe no passado. A imagem não tem um dos pés. Na região, a chamam de Nzuzu, a rainha das águas doces. A origem dessa imagem e o seu destino formam o fio condutor da história. O sincretismo entre a fé do branco colonizador e a do negro colonizado. Misturando elementos de um mundo primitivo com a modernidade, Vila Longe se transforma no palco de mais essa representação da vida humana. Todos os sentimentos estão ali. Conceitos e preconceitos. Todos os jeitinhos tão nossos conhecidos, como o de levar vantagem. Sempre. Os capítulos são precedidos de pequenos dizeres, dos próprios personagens do Romance. Como este, do Barbeiro de Vila Longe: Os ricos enriquecem, os pobres empobrecem. E os outros, os remediados, vão ficando sem remédio.

     Recentemente tenho lido bastante literatura em Língua Portuguesa não brasileira. E tenho sido absorvida pela magia trazida pela diferenciação da língua escrita. As palavras são completamente compreensíveis apesar de apresentarem diferenças. Mas as diferenças só enriquecem, nunca empobrecem. Por isso não posso aceitar de bom grado essa camisa de força que tenta prender essa riqueza humana. E acho lamentável que essa idéia imperialista tenha partido do Brasil. Espero que os africanos resistam e não se deixem apanhar nessa rede.