As mulheres que choram com os lobos
Não, eu não escrevi errado: este não é o nome de um livro. É apenas uma apropriação indébita do nome de um livro e sua modificação. Afinal, na natureza nada se cria tudo se copia.
Hoje vou falar do livro La Llorona, de Marcela Serrano, que acabei de ler. Mas para falar de um tenho que falar de outro.
Conheci o livro Mulheres que correm com os lobos de Clarissa Pinkola Estés há alguns anos atrás. Eu e minhas amigas de terapia em grupo: MN e HM. Resolvemos fazer terapia juntas, escolhemos uma terapeuta fantástica e também a forma como iríamos proceder: lendo livros. Escolhemos as Mulheres que correm com os lobos e trabalhamos cada um de seus mitos e histórias do arquétipo da mulher selvagem. La Llorona é um desses mitos.
A história da mulher chorona está no capítulo As águas claras – o sustento da vida criativa. É um dos capítulos mais bonitos porque trata exatamente desse dom que nós escritores recebemos: o dom de criar histórias com o simples arranjar de palavras. Mas criar tem acepções múltiplas e Marcela Serrano talvez tenha resgatado a sua porção selvagem ao destrinchar a triste história de La Llorona trazendo-a para os tempos modernos.
As versões de La Llorona são muitas e estão espalhadas por várias partes do mundo, principalmente na América Espanhola. Supõe-se que tenha se originado no México.
Na versão básica original, aquela que chora, chora por seus filhos que ela mesma jogou no rio, em um ato de desespero. Quando chega ao céu é bem recebida porque já viveu o inferno em vida, mas só poderá entrar quando resgatar as almas dos filhos. E é isso que ela vem fazendo desde então. Os motivos pelos quais ela matou os filhos variam de história para história. Na última versão recolhida por Clarissa no Colorado (USA), La Llorona era casada com um rico industrial que poluiu as águas do rio. Nossa heroína bebeu dessas águas e seus filhos gêmeos nasceram cegos e com membranas entre os dedos. Para que não sofressem, ela os matou.
A versão de Marcela Serrano é mais suave e ocorre em um país qualquer da América espanhola – Marcela é chilena. Um país latino-americano com todas as suas mazelas, onde crianças desaparecem de hospitais e são vendidas por alto preço, para famílias ricas e importantes ou para venda de órgãos. E fala de uma mulher jovem e ignorante que teve uma filha em um hospital da cidade. Sua filha morreu, lhe disseram, mas não lhe devolveram o corpo. E ela não acredita e não aceita. A autora então conta a história dessa camponesa que se transforma, se recria em busca daquilo que acredita: sua filha está viva. E como não podia deixar de ser em uma história latino-americana, encontramos de tudo que já conhecemos: corrupção em todos os níveis da sociedade, pobreza, ignorância, guerrilhas. Mas também uma capacidade de luta que vai além do imaginável.
Para quem se interessar, é um livro fino e fácil de ler. Linguagem accessível, uma boa e curta história, a vida de uma mulher que se recria e cria pela dor. A editora é desconhecida, mas fez um livro bonito: Primavera Editorial. A capa é bonita. Mas sinceramente, a pergunta que me fiz, quando acabei de ler: Com tantos bons escritores perdidos por esse Brasil sem fim, por que editar o livro de uma estrangeira, desconhecida e que conta uma bela história, mas sem acrescentar nada a Literatura? A resposta evidentemente não cabe a mim. Além do mais o mito da Mulher que Chora não faz parte de nossa realidade: eu só o comprei porque o conhecia do livro de Clarissa. E é desse o livro que aconselho a leitura.
Ah, em tempo: Marcela Serrano afirma que no Brasil a história que mais se aproxima da lenda da Mulher que chora é a da Dama de Branco ou Mulher da Meia Noite.