LIVRO DE POEMAS (Alexandre Barbosa de Souza)

Os estranhos deuses que dão voz aos nossos sentidos, brincam severamente com as noções de lógica, aritmética, administração e história, entre outras divertidas gozações. Ou então, como explicar que, estando minha musa, em certa manhã a garimpar papéis, pincéis, tintas, gibis, e outras asas para as liberdades infantis de nossos guris, tenha adquirido numa lojinha de bairro, quase um sebo, uma mala com alguns apetrechos pra molecada fazer arte; tudo já usado mas em bom estado: blocos de sulfite, pequenos pincéis, gizes de cera, apontador, gibis da Turma da Mônica, folhas dispersas de caderno universitário, papéis rasgados, uma tesoura sem ponta e enferrujada, e dois livro de poemas. Tudo pela bagatela de 25 paus que, pechinchados, ficaram por 22. Só a bolsa preta valia o dobro disso.

Uma das obras encontradas é um achado: Livro de Poemas, de Alexandre Barbosa de Souza, com ilustrações de Ênio Squeff.

Quem é Alexandre Barbosa de Souza? Quem é Ênio Squeff? Confesso que pensei várias vezes em ir ao Google, mas primeiro tinha que escrever essas linhas, ainda movido pelo estupor alegre e descontraído, proporcionado pela leitura de seus versos. O mistério tinha que permanecer, até que eu tentasse convencer alguém do prazer de uma leitura tão gostosa que me foi propiciada por este Livro de Poemas, uma pérola encontrada ao acaso, nesse mar múltiplo em emoções, o do oceano literário.

O autor revela-nos em sua obra, instantâneos líricos, numa paisagem hoje rarefeita. Em Jogral, à página 73, por exemplo, temos:

“Onde está a minha infância?

- Quando eu era pequeno.

Onde estava esse silêncio?

- Quando eu assim pensava.

...

Onde estava a minha sombra?

- Quando aquela luz deitava.”

Em outros momentos, como na página 49, brinca singularmente no muro que divide o êxtase do banal:

“Dois gatos pretos

Se cruzam no caminho.

Um era a morte,

Outro, a sorte.”

Com fotografia assim, radiografias claras e coloridas, este Livro de Poemas tem um título que sintetiza toda a idéia universal do que entendemos por poesia no seu eixo bruto: lírica, contemplativa, persuasiva e catalisadora de bons astrais. E ainda embrulhada pelas aquarelas sensuais, seguras e ondulantes de Ênio Squeff, que transita livremente, dialogando com os versos do autor, ambos muito inspirados.

Detalhe importante. A página 2 tem anotado a lápis preto um dos sinais que indicam o quanto a fruição da arte nada tem a ver com embates financeiros: R$ 2,00. Uma prova incontestável de que o problema da (falta de) leitura no país não, nunca foi, nem será, financeiro. Antes, a boa leitura(vejam bem, “a boa leitura!”), anda à toa por aí, na gostosa brisa que trafega na contramão das vias econômicas e bur(r)ocráticas.

*(Ilustrações Ênio Squeff

Ed. Do autor, Ed. Giordano, 1ª edição, 1992, 88 p.)