Precisamos falar sobre o Kevin 


           Gosto de saber as razões porque compro determinado livro. Não tive nenhuma dúvida sobre a razão que me levou a comprar este: a questão do mal em estado puro sempre me fascinou, muito mais do que a questão do bem.O que leva uma pessoa a ser má em sua essência, não o que leva uma pessoa a trilhar o caminho do mal levada pelas circunstãncias.Não sei se o mal existe como uma entidade que se opõe ao bem. Costumo pensar na existência do Bem como sendo a perfeição. Para os religiosos a perfeição seria Deus. Logo, a imperfeição seria o mal.A maioria das pessoas possuem maior ou menor dose de bem ou de mal. Mas, por que algumas pessoas nascem intrínsicamente más? O livro não me deu a resposta. Mas continuo procurando.
        
          Precisamos falar sobre o Kevin foi escrito pela norte-americana Lionel Shriver inspirado nas usuais matanças em escolas em seu país. O tema é abordado de uma maneira profunda buscando as razões que levaram o adolescente Kevin a massacrar nove pessoas. Tem como narradora Eva Katchadourian, a mãe do assassino. Ela escreve cartas para o seu marido ausente e nessas cartas vai desconstruindo não só a sua vida, como a vida da família. Ela busca explicações, quer apurar as suas responsabilidades e a responsabilidade do marido na construção dessa tragédia. Vai ainda mais fundo ao analisar a influência da sociedade norte-americana na ocorrência desse tipo de tragédia. Ao mesmo tempo  vai destruindo alguns mitos da vida como a importância da maternidade, a incondicionalidade do amor materno. Eva ama seu marido e sua carreira. Eva é uma mulher cosmopolita que escreve guias de viagem e construiu do nada sua riqueza.Ela não precisa de filhos. Franklin é o americano típico que acredita nos valores da família. Ele quer filhos. Quando Kevin nasce, Eva se ressente e ele tenta ser o pai perfeito do filho perfeito. É um  alienado que se recusa a ver as esquisitices do filho. Mas a mãe percebe desde o início que Kevin é diferente: é mau, dissimulado. Não gosta de nada, não sabe brincar, acha tudo besta. Ela não consegue amá-lo. Ele não ama ninguém.A única história infantil pela qual se interessou foi Robin Hood - que o levou a ser um exímio atirador de flechas com arco. Coleciona vírus de computador. Kevin não tem consciência, não sente remorsos.Como todas as pessoas iguais a ele Kevin destrói tudo, até a ele mesmo. 

          Quando comecei a ler o livro não posso dizer que estava gostando. Acho os romances epistolares muito difíceis. Encontrar o ponto certo, eis a questão.As cartas são muito longas e para mim que ando com o livro na mão para aproveitar todos os minutos vazios, as cartas pareciam quebradas:cada capítulo (carta) demorava muito para acabar e as vezes eu tinha que fechar o livro no meio de uma carta.Mas a medida em que fui lendo e a autora se aprofundando nos desvãos da alma, fui ficando mais apaixonada. E, o que parecia não ter mais segredos acaba apresentando um final surpreendente. Passei o tempo todo perguntando: afinal, onde está o marido, onde está a filha? Alienada, como Franklin, também não vi os sinais. 

        É um livro triste, quase sem esperança. Quase. Vale a pena ler para compreender.