Topografia ideal para uma agressão caracterizada
Um imigrante argelino chega a Paris e se perde no metrô parisiense, uma história comum a dezenas de emigrados, que vivem as mais diversas e extenuantes situações ao chegarem na antiga Gália. Essa é a base da narrativa de Topografia ideal para uma agressão caracterizada (Topographie idéale pour une agression caractérisée, tradução de Flávia Nascimento, Estação Liberdade, 232 páginas, R$36,00) do escritor argelino Rachid Boudjedra, um romance desconcertante no estilo complexo e intricante que o autor computa em suas narrativas.
Publicado originalmente em 1975, o lançamento chega finalmente ao público brasileiro, refletindo o longo período sem publicações de escritores francófonos do norte africano na França, a literatura magrebina sempre fora politizada e na época, estava longe de escritores como Kaleb Yacine, Assia Djebar ou Boudjedra. O autor, ao publicar o livro, responderia à sociedade francesa para as ondas de agressões que ocorreram no inicio da década de 1970 aos imigrantes argelinos, em contrapartida à nacionalização das empresas petrolíferas francesas na Argélia. O autor criticou outros autores do Magreb, que deram as costas para os problemas sociais que seus irmãos enfrentavam.
A principio, a narrativa do romance está inserido em um parecer minimalista e ao mesmo tempo lirico em discurso de peritexto. O personagem narrador nos entorpece com os diferentes focos narrativos que utiliza, usando a fala de outros personagens para compor, ao mesmo tempo que o protagonista se perde nos subterrâneos parisienses, fazendo que o leitor se perda junto com ele. A tradução de Flávia Nascimento, Doutora em Letras e Ciências Humanas pela Universidade de Paris, é primorosa, seguindo os mesmos caminhos tortuosos que a narrativa, o personagem e o foco narrativo seguem. Assinando também um posfácio esclarecedor, a tradutora nos passa todos os apontamentos para inserir a construção do texto, a formação do autor e comparações com autores estrangeiros e brasileiros na questão do emigrante: "(...) E sua atitude é desesperadamente real; quer sejam eles nordestinos ou bolivianos em São Paulo, indianos em Londres, haitianos em Nova Iorque, turcos em Berlim, angolanos em Lisboa ou argelinos em Paris, nosso mundo ainda está repleto de "severinos" (página 229)"
O romance é uma história que alterna as impressões do personagem perante o cosmopolismo parisiense, que anônimo e perdido no metrô, padece as mais diversas formas de violência a sua personalidade, como por exemplo, as publicidades eróticas encontradas sob a cidade, os olhares de desprezo, as luzes que encadeiam e entorpecem, a destruição da identidade, entre outras ofensas. Vagueando entre essa indiferença generalizada, somente com uma maleta e um pedaço de papel, o protagonista segue caminhando para um trágico final sem compreender nada do que lhe acontece.
O livro, nos passa, a angústia, a solidão e o desamparo deste argelino e o que é mais interessante é que o texto consegue passar isso para o leitor. Um trabalho, onde os sentimentos são vacilantes e se devaneiam perante as falas, vozes e tempos mutantes ao longo das páginas e até mesmo do título.
Vemos em relação ao título, Topografia ideal para uma agressão caracterizada, como é o estilo usado pelo autor, atordoante, uma designação ostensivamente longa e marcada como se estivesse dizendo ao leitor que este romance não é o que está parecendo. O termo topografia, se refere a uma descrição precisa de uma área, e no caso desse romance, a área urbana é um labirinto subterrâneo, na dinâmica de um inquérito policial literário. Assim como no título, a numeração dos capítulos segue o rumo impactante, Linha 5, Linha 1, Linha 12, Linha 13 e Linha 13 bis, incongruentes para oscilar novamente em relação ao consciente do leitor.
Em entrevista, Boudjedra disse que o seu personagem emigrante está todo o tempo perdido, como sua civilização, sofrendo racismo e morrendo por causa dessa segregação, por isso que o defende, denunciando a violência que ocorria. E consegue passar esse sentimento e muitos outros a qualquer um que ler esse duro e incisivo romance, numa experiência literária única.
O AUTOR: Rachid Boudjedra, nascido na Argélia em 1941, sua obra ocupa importante espaço na literatura francófona. Sempre escreveu em francês, mas atualmente se dedica também a produção em árabe. Também é professor, poeta, ensaísta e autor de teatro e cinema, Boudjedra em 1987, recebeu uma fatwa (sentença de morte por ofensa à lei islâmica), por considerarem sua obra afronta aos fundamentos do Islã. Entre seus principais trabalhos estão La Répudiation(1969), La Fascination (2000), Les Funéralles (2002) e L'Hotel Saint Georges (2007).