Cristo segundo Mel Gibson
Grande parte das pessoas que assistiram ao polêmico filme do ator e diretor Mel Gibson – “A Paixão de Cristo”, saiu do cinema com a sensação de choque pela crueza das cenas. Ouvi, inclusive, muitos dizerem que o enredo ficou preso demais à extrema violência que fez parte de uma das histórias mais conhecidas de todos os tempos.
Pois é exatamente aí que está, a meu ver, a novidade trazida por Gibson. Por séculos a fio milhões e milhões de pessoas vêm rezando todos os dias orações que nos remetem às últimas horas do Filho de Deus na Terra. Também a Bíblia conta tais passagens de uma maneira que não deixa dúvidas quanto ao sofrimento e às humilhações vividas por Jesus há mais de dois mil anos.
Acontece que nem sempre as palavras conseguem traduzir com tanta fidelidade o que as imagens evocam. E, essencialmente, “A Paixão de Cristo” é um filme de poucas falas, de poucos diálogos. Sua personagem principal, vivida de forma impecável pelo ator Jim Caviezel, é interpretada muito mais com o corpo do que com a voz. Esta proposta não poderia ter sido melhor, pois faz da mensagem de Cristo algo muito mais próximo de atos do que de palavras.
Da mesma forma, é bem mais contundente conhecer de perto os bolsões de miséria espalhados pelo mundo inteiro do que saber da sua existência de dentro de uma casa confortável, sentado a uma mesa farta. Muitos dos que se disseram chocados com as cenas fortes que retratam o calvário de Cristo na versão de Mel Gibson talvez já tenham lido e ouvido falar inúmeras vezes sobre esta triste passagem bíblica. No entanto, sua imaginação certamente não foi tão eficaz em trazer à tona as imagens que o filme muito provavelmente manteve fiéis ao que realmente aconteceu.
Quanto à polêmica em torno do enredo poder despertar um sentimento anti-judeu, só mesmo os que não têm senso crítico para chegar a esta conclusão. Afinal, a culpa que sacerdotes e judeus daquela época tiveram na condenação e morte de Jesus não pode ser repassada para as gerações futuras. Senão teremos que culpar os portugueses do século 21 pelo extermínio dos índios brasileiros nos primeiros séculos após o descobrimento do Brasil; ou culpar eternamente o povo alemão pelas atrocidades cometidas por Hitler e outros compatriotas no período da Segunda Guerra Mundial. Guardadas as devidas proporções, é o mesmo princípio de comparação.
O que o filme tem de mais fantástico é nos fazer voltar no tempo, colocando-nos na condição de espectadores das atrocidades sofridas por aquele que aceitou carregar tal fardo apenas para nos ensinar a maior de todas as lições de amor. Seu sofrimento significa até hoje a nossa redenção. É um parâmetro para que possamos entender e balizar os nossos próprios padecimentos. Mais até: será eternamente o maior simbolismo na vitória do Bem contra o Mal.
Para os que nunca assistiram ao filme, vale a pena se atentar aos detalhes sugeridos do começo ao fim, seja na história principal, seja nos pensamentos de algumas personagens. O que fica absolutamente claro na obra de Mel Gibson é a sua crença otimista do triunfo da Luz sobre as Trevas, da morte como uma libertação para tudo que é fugaz e sem qualquer importância para a obra divina.