Iluminação e Magia IV - ANA E OS LOBOS

ANA E OS LOBOS

“Ana e os Lobos” (1972) é um marco na história do cinema latino na medida em que revelou, para os brasileiros, um dos mais importantes diretores do cinema espanhol dos últimos tempos; refiro-me ao cineasta Carlos Saura.

A personagem Ana (Geraldine Chaplin, filha de Charles Chaplin e ex-mulher do diretor Carlos Saura) é a governanta que chega à mansão de uma velha e decadente família burguesa espanhola. Ali, ela se envolve com três irmãos: o místico Fernando, que se isola do universo social qual um eremita e, além disso, é predestinado a transes de levitação; José, um colecionador de relíquias do “exército que governa” a mansão com arrogância e prepotência; e Juan, escrevinhador de cartas obscenas, que tenta, a todo custo, seduzir Ana; aliás, cada um dos irmãos, de alguma maneira, pretende possuí-la. Juan deseja o corpo de Ana, Fernando quer cortar os cabelos da governanta, e José pretende dominá-la a exemplo de um soldado.

É preciso ressaltar que o roteiro de “Ana e os Lobos” ficou, por mais de um ano, proibido pela polícia e pela censura da ditadura do general Francisco Franco, que varreu o território espanhol de 1939 a 1975. Uma das maneiras para se conferir o filme é observá-lo como um quadro alegórico da Espanha franquista. Nesse sentido, os personagens-protagonistas, em seu conjunto, representam, alegoricamente, por um lado, as três grandes forças que dominavam a Espanha de Franco: Fernando representa a Igreja Católica; José representa o exército; e Juan representa a sexualidade reprimida. De outra parte, Ana, a vítima inocente, o cordeirinho, representa o próprio povo espanhol sob o jugo da ditadura franquista.

O cineasta Carlos Saura não esconde que detesta os “três lobos”, buscando, sem qualquer piedade, estereotipar cada um dos irmãos. José, por exemplo, foi criado como menina até a primeira comunhão; na idade adulta, adquiri o hábito de travestir-se.

“Ana e os Lobos” é arte cinematográfica e uma lição de como dizer e contestar um estado de coisas indiretamente mediante o emprego da linguagem alegórica; exemplos desse recurso procedente do tropos lingüístico proliferam na poética musical de Chico Buarque de Holanda, cujo elenco de canções de renome (sobretudo entre o final dos anos 60 e durante os anos 70) obtive (pasmem, quanto a esta bela contradição!) grande sucesso durante a vigência das indecorosas censuras instauradas pela ditadura militar no Brasil. Por fim, como já afirmaram, “Ana e os Lobos” é um filme que impressiona, comove e sensibiliza. É preciso conferi-lo! Sobretudo, nós, brasileiros, que precisamos reavivar a memória daquilo que aconteceu, num passado recente, em nosso país: dos brasileiros que sofreram muitas coisas por nós, dos nossos irmãos que participaram do sofrimento das torturas, dos choques elétricos ou amarrados em “pau-de-arara”... de todos os inocentes que, por nós, morreram nas prisões de um Brasil-Estado Autoritário, de uma Nação Demente, de um Brasil-Casa-dos-Horrores do DOPS, de um Estado Assassino, de uma Nação-Latrina regida pela podridão do autoritarismo, de um “Brasil Nunca Mais!”!

“Ana e os Lobos” é uma produção espanhola presenteada com a participação de atores e atrizes espanhóis, tais como, Fernando Fernan Gómez, José Vivo, José Maria Prada, Rafaela Aparício, além d’outros.

PROF. DR. SÍLVIO MEDEIROS

Doutor em Filosofia e História da Educação pela UNICAMP

primavera de 2005