O Estranho Caso de Wilhelm Reich

O amor, o trabalho e o conhecimento são as fontes de nossa vida. Deveriam também governá-la.

W.R.

Para muitos é um mito que Tales de Mileto tenha previsto um eclipse em 585 a.C., para outros é balela que um homem tenha provocado uma tempestade no Maine na década de 50. O primeiro homem é considerado o pai da filosofia ocidental, ou o primeiro filósofo, e quanto ao segundo homem, quem é ele?

Hoje muitos podem desconhecer o significado d’O Complexo de Édipo e nada saber sobre sexualidade infantil mas alguma vez já ouviram falar no nome de Sigmund Freud. Essas mesmas pessoas podem estar acostumadas com a educação sexual de adolescentes nas escolas; tratamentos psicológicos que sugerem aos pacientes a gritar, espernear e a bater para assim eliminar fortes cargas emocionais; e com o conceito da vida sexual saudável como necessária à manutenção do organismo e grande responsável pelo equilíbrio e bem-estar do indivíduo; mas poucos dentre esses ouviram falar em Wilhelm Reich, psicanalista e cientista natural que na década de 20 apresentou aos seus colegas em reuniões e congressos psicanalíticos muitas dessas e inumeráveis outras ideias e descobertas novas, ideias e descobertas estas que foram recebidas na época com impaciência, desagrado e medo. E é nesta fase da história, de forma bastante breve, que se dá o início deste filme.

Como retrato biográfico O Estranho Caso de Wilhelm Reich (Der Fall Wilhelm Reich) concentra-se na década de 50, nos últimos anos da vida do controverso médico e cientista quando este residia nos Estados Unidos, em seu laboratório, no estado do Maine; acompanha sua luta legal contra a FDA (Food and Drug Administration), dentro e fora da prisão; a hostilidade das autoridades e dos homens de bem locais, que o viam como um comunista alemão infiltrado, para com a sua pesquisa ''orgonômica''; e fragmentos, numa conversa e outra, de sua visão holística da ciência e do mundo.

É interessante notar que a narrativa concentrada em Reich, nos percalços e decepções enfrentados em seu trabalho, ramifica-se sutilmente num breve paralelo: enquanto há um cientista nas proximidades de uma pequena cidade que trabalha com tratamentos experimentais e realiza pesquisas sobre o câncer sendo perseguido pelas autoridades, existem outros apoiados pelo governo que trabalham nas sombras de masmorras hospitalares e se empenham na transformação do indivíduo em uma ameba controlável. Um processo subterrâneo na terra da liberdade do qual nem Reich que havia escapado da Alemanha nazista imaginava.

Reich e suas ideias já haviam sido retratados no cinema num filme setentista de Dusan Makavejev, W.R. Mistérios do Organismo (W.R. Misterije organizma, 1971). Reichianos como Alexander Lowen aparecem por lá falando sobre o método dos tratamentos, análise de caráter e tudo o mais, mas não considero o filme muito digno de Reich pois facilmente poderia gerar, no mínimo, uma ideia distorcida a seu respeito: como a de um ícone meramente contracultural e datado, e não um grande psicanalista, um guru sexual, e não um cientista que expandiu o campo psicológico limitado da psicanálise ao campo fisiológico da biologia, um místico, e não um homem que justamente criticava o misticismo e escrevia que toda a descoberta científica modifica o meio social e econômico vigente e é por si própria revolucionária.

Sou suspeito para falar e talvez por isso eu tenha gostado tanto deste filme de Antonin Svoboda, um dos produtores de Edukators (Die Fetten Jahre sind vorbei de 2004, também com Julia Jentsch em outro papel ‘’subversivo’’), por retratar sua história com simplicidade, sem ater-se a didatismos biográficos, extravagâncias narrativas e proselitismos burlescos e colocá-lo na tela como um homem comum com ideias, ideais e coragens incomuns.