Resenha do filme "Vermelho como céu"

O longa-metragem Vermelho como o céu (Rosso como il cielo em italiano), baseado em fatos reais, narra a trajetória de Mirco Barelli, um garotinho de Pontedera (Itália) que sofre um acidente ao brincar com uma arma de fogo de seu pai, perdendo drasticamente grande percentual de sua visão (da qual não restaria nada mais tarde). Na Itália do período em questão, década de 1970, crianças com deficiência visual deveriam obrigatoriamente estudar em escolas especiais para cegos, e Mirco é enviado por sua família a um internato em Gênova, cujo padrão de ensino é austero, religioso e centrado na autoridade dos professores e diretoria. Durante a trajetória do menino no internato, acontecem diversas situações nas quais ele transgrediu algumas regras impostas pelo internato.

Nesse filme, é possível notar, logo de início que a deficiência durante essa época na Itália era tratada como um desvio e assim deveriam ter espaços limitados para um controle de sua diferença, como cita Miskolci (2002/2003). Isso acontece porque existe um pensamento na sociedade o qual acredita que aquele com algum tipo de lesão, são/serão naturalmente excluídos, pois a sociedade funciona com certo padrão de ações do qual pessoas com deficiência, não se encaixam, por exemplo, cabe ressaltar uma cena, quando os pais levam Mirco ao internato, e o pai diz que naquele momento o mais importante era ele concluir o Primário, e teria a vida toda para encontrar sua vocação, mas o diretor é mais objetivo e impõe logo de início limites ao menino, dizendo que ele aprenderia “o que é capaz de fazer” como profissional.

Essa limitação se trata de fazer o deficiente ocupar seu o tempo, para impedir possíveis conflitos (JANUZZI, 2004) e como uma forma de economia, pois os meninos por exemplo, tinham de aprender tecelagem, trabalho do qual pode-se adquirir algum lucro. O internato, portanto, tenta incluir – futuramente – essas crianças, de alguma maneira, na sociedade, quando exerceriam de fato a profissão de tecelão. No entanto, o papel da escola deveria ser criar condições de vida comum a outras pessoas, ensiná-los a conviver com suas deficiências Mikelsen,(1978) apud Januzzi (2004), uma vez que todos possuímos aspectos “normais” de um lado e de outro, “anormais” (Miskolci, 2002/2003). O internato, nesse sentido, acaba excluindo ao invés de incluir, pois limita a que o deficiente é capaz de fazer e não se preocupa em saber dos próprios as melhores formas de ajudá-los a imergir na sociedade preconceituosa, não só naquela época na Itália, mas também atualmente.

Sendo assim, as pessoas com deficiência devem ter o direito de ter o mesmo e o diferente, garantida na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD) (DHANDA, 2008). Para isso, ela afirma que deve haver direitos híbridos, ou seja, a adesão de outras medidas para que algum direito seja garantido. O que não é necessariamente o caso da separação da escola para deficientes e alunos “normais” em 1970 na Itália, pois, embora nesse caso se assegure o direito a escolarização, esse direito se limita aos padrões do internato, pois a escola possui um importante papel pedagógico que não deve olhar a deficiência, mas sim o ensino, o atendimento às diferenças individuais, propiciando meios de os alunos de viverem e desenvolverem suas potencialidades no âmbito físico, intelectual e social, para seu próprio benefício e da sociedade como um todo (JANUZZI, 2004), não ao contrário, como acontece quando Mirco faz um trabalho sobre as estações usando um gravador e os sons que representavam a natureza, fugindo do tradicional, e acaba sendo reprimido pelo diretor, com seu modo conservador.

Essa cena também mostra a importância de a escola se atualizar constantemente, buscando novas alternativas de promover o aprendizado do alunado. Outra parte do longa que mostra esse aspecto é a apresentação final, feita por Mirco e alguns colegas, após serem excluídos da apresentação tradicional, na qual conseguem inová-la e no fim é aceita pelo professor, o que acarreta um ato de escuta por parte dele, ponto importante quando se trata da garantia de direitos. É de suma importância que haja a participação das pessoas com deficiência nas decisões, sejam ela escolares, sociais ou políticas, pois são elas que irão usufruir disso, então são as mais capazes de dizer o que necessitam e o que não deve ser feito. Dhanda (2004) traz à tona essa perspectiva quando trata do processo de criação da CDPD, dizendo que foi extremamente relevante a manifestação desse grupo para o produto.

No filme, há uma cena de manifestação de estudantes para tirar o diretor do poder, isso retrata uma imagem de luta por melhores condições estudantis para esse grupo, um pedido de escuta e a luta para uma verdadeira inclusão. Isso mostra que desde aquela época na Itália e até hoje no Brasil, há a necessidade de manifestação, de luta por e para pessoas com deficiência que, mesmo com os direitos já conquistados e mais estudos dessa área, ainda existem muitos pré-conceitos de grande parte da sociedade e falhas na concretização desses direitos que deveriam ser híbridos. Ainda há falta de preparação por parte do corpo docente das escolas. Os professores precisam de maiores formações, mas também o governo precisa garantir o acesso à escolarização por diferentes vias, que promovam um melhor “atendimento”.

O longa-metragem Vermelho como o céu mostra diversos aspectos dos quais ainda precisam receber maior atenção por parte do Estado e da população. Mirco nos proporciona enxergar além das limitações que os deficientes aparentam ter e, em contrapartida, faz-nos refletir que é uma questão de saber como criar caminhos que possibilitem o aprendizado e a convivência, os quais podem ser feitos para quebrar barreiras que existem até hoje.

Referências

DHANDA, Amita. Construindo um novo léxico dos Direitos Humanos: Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Sur-Revista Internacional de Direitos Humanos, ano 5, número 8. São Paulo, 2008.

JANUZZI, Gilberta. Algumas concepções de educação do deficiente. Ver. Bras. Cienc. Esporte, Campinas, v. 25, n. 3, p. 9-25, maio 2004.

MISKOLCI, Richard. Reflexões sobre normalidade e desvio social. Estudos de Sociologia, Araraquara, 13/14: 109-126, 2002/2003.

VERMELHO como o céu. Direção: Cristiano Bortone, Produção: Cristiano Bortone, Daniele Mazzocca. Itália, 2006.

Brenda dos Anjos
Enviado por Brenda dos Anjos em 27/06/2019
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