Intensos e fugidios
Depois de ter assistido pelo menos umas cinco vezes ao belíssimo “Antes do Amanhecer”, com Ethan Hawke e Julie Delpy, fiquei muito feliz pelo recente lançamento do que seria a sua sequência – “Antes do Pôr-do-Sol”. Vale ressaltar que o segundo filme, com os mesmos atores e partindo da deixa do primeiro, se passa nove anos depois – tanto na ficção quanto na realidade.
“Antes do Amanhecer”, do não tão conhecido diretor Richard Linklater, foi vencedor do Urso de Prata no Festival de Berlim de 1995. É daqueles filmes sem quaisquer efeitos especiais, que se sustentam apenas na excelente atuação dos atores (apenas Hawke e Delpy) e no ótimo enredo. Na verdade, o tema é prá lá de batido na literatura, no cinema e na televisão: encontros fortuitos que deságuam em paixões e nas suas armadilhas. A forma como foi parar na tela é que é o diferencial.
Trata-se de uma história de amor leve, contada de forma simples e recheada por uma bela fotografia de paisagens européias, principalmente de Viena. Tudo começa em uma viagem de trem (naquele que atravessa grande parte da Europa) com um encontro entre os personagens Jesse e Celine. Ele, um americano de visão racional, decepcionado com o último relacionamento; ela, uma universitária francesa romântica e independente, que volta das férias para Paris.
Após os primeiros olhares e conversas triviais, que servem para aproximá-los e levá-los ao vagão-restaurante, inicia-se uma relação que está marcada para durar apenas uma noite. O desenrolar do enredo se dá a partir de uma proposta inusitada feita por Jesse, que, claro, não vou contar aqui para depois não ser chamado de chato. O que posso comentar é que os diálogos são inteligentes e fluem cada vez mais que os dois vão se conhecendo, se inteirando de pequenas peças do passado e do presente, que fazem ou não sentido naquele duplo "quebra-cabeça".
O tempero de “Antes do Amanhecer” é feito de ingredientes perfeitamente identificáveis por qualquer pessoa. As sintonias e choques de visões de mundo entre dois desconhecidos colocam em confronto razão e emoção, que terminam por convergir para amor, desejo, amizade, para a poesia do primeiro encontro. O momento mágico do ansiado beijo após longas conversas, o medo de ver uma realidade se confundir como um sonho que acaba, a distância física anunciada, a efemeridade da vida, a dor da despedida... Tudo isso numa só experiência, que até pode ser deixada para trás, mas nunca esquecida.
Fugidios como o tempo que lhes resta, os personagens tentam fazer dos instantes juntos uma intensa possibilidade. Num deles, Celine consegue definir todo o significado e dimensão que podem caber num encontro: "se Deus existe, ele não está em nós. Nem em você, nem em mim, mas no espaço que nos separa. Se há algum tipo de mágica, ela está na tentativa de entender e compartilhar”.
Comentar “Antes do Pôr-do-Sol” é o mesmo que dar todas as pistas para o fim do primeiro filme, e tudo que eu não quero aqui é tirar o prazer de quem não assistiu de conferir por si mesmo. Adianto apenas que muita coisa acontece em nove anos na vida de uma pessoa. É assim no segundo filme, que traz Jesse (Ethan Hawke) e Celine (Julie Delpy) um tanto mudados, mas com pelo menos algo que resistiu ao tempo...