Os livros que não lemos.
Pergunto: Se eu escrever um artigo com este nome estarei cometendo plágio? Explico: Umberto Eco escreveu e eu li na revista Entre Livros. Afonso Romano de Santana escreveu e eu li no Estado de Minas. Alan Riding publicou no New York Times: Read it? No, but you can skin a few pages and fake it e eu não li porque meu inglês é adivinhatório. Todos os três beberam na mesma fonte: o livro de Pierre Bayard Como falar dos livros que não lemos? O interessante é que li por acaso esses três artigos, quase que um atrás do outro. E agora sou eu quem escrevo.A minha vida inteira eu falei de livros que não tinha lido como se os tivesse lido. Não que eu quisesse enganar as pessoas, é que eu sabia sobre eles. Nada de misterioso nisso. Eu gosto de ler e leio crítica literária. Leio resenhas. Nas livrarias, as orelhas e contra-capas. Só não leio resumos ridiculos e adaptações literárias feita para jovens como se jovens fossem imbecís e não pudessem ler a obra completa. Dia desses ( ou foi noite?) ao fazer um comentário sobre o filme O primo Basílio resolvi abrir meu coração e afirmei nunca ter lido Eça de Queiroz. Eu não precisava ter falado nada, afinal sei mais do que a maioria iletrada sobre o autor e sua obra.Recebi conselhos gentis para que lesse e, como tenho um exemplar aqui em casa, vou acabar lendo. Até comprei O Crime do Padre Amaro, edição de bolso.Vou ler também,quando der. Alguém resolveu colocar em dúvida a minha capacidade de escritora porque eu não tinha lido o bom português. Imaginem só, se eu tiver que ler todos os livros do mundo não iria sobrar tempo para mais nada.Quando é que eu iria escrever e fazer as outras coisas maravilhosas que existem para serem feitas? Alguém tem idéia de quantos livros já foram escritos no mundo? O autor do livro, segundo os articulistas, confessa candidamente que nunca leu Ulisses, de Joyce. Mas que é capaz de dar uma aula sobre ele. Também não li Ulisses, nem tampouco a Odisseia. Fico pensando até que devia ter lido, afinal Ulisses é um nome comum em minha família.Tem até uma Maria Ulisses, acreditem. Mas não li. E, se for preciso, eu também dou conta de falar em público sobre ele. E de escrever também. O que faz a diferença entre falar sobre um livro que se leu e um que não se leu é a emoção. Meu exemplo passa por Saramago. Já li mil e um artigos sobre ele e sua obra e posso dizer que tecnicamente eu tinha um bom conhecimento a respeito da maioria de seus livros. Mas nunca tinha lido nenhum. Eu ficava aflita com aqueles parágrafos imensos, com a pontuação desorganizada, com os diálogos não-diálogos mas monólogos interiores que desistia praticamente antes de começar. Eu tenho em minha biblioteca dois livros dele: O Evangelho segundo Jesus Cristo e História do Cerco de Lisboa. Li o primeiro e me apaixonei. Estou lendo o segundo. Ontem li o trecho de um capítulo em que ele teoriza sobre causa e consequência por um longo tempo. Eu teria escrito o texto em uma linha. Mas ele não.Ele vai e vem, vem e vai e me leva com ele nas asas das boas palavras. Eu já li o texto duas vezes e vou ler outra porque não consigo sair dele. É tão bom que não quero que acabe.Essa emoção eu nunca teria se não estivesse lendo o livro. E sobre emoção as vezes a gente não consegue falar. O texto me atingiu tão profundamente que ando até saramagueando. Mas nada está escrito ali, tecnicamente, que eu ainda não soubesse.
Afonso Romano parece que tem uma grande biblioteca. Segundo ele alguém está sempre perguntando se já leu todos os livros que tem. Minha mãe pergunta isso também. Ela jura de pé junto para quem quiser ouvir sua jura que eu ainda não li nem a metade dos livros que tenho. Diz que eu jogo dinheiro fora. Ela tem razão quanto a primeira afirmativa, mas eu nego. Eu tenho muitos livros que ainda não li e continuo a comprar. Mas também tenho outros que li mais de uma vez e que ainda quero reler outras. Sou viciada em livros. De quando em vez descubro duplicatas em minhas estantes. Mas, meus livros são peregrinos, viajantes, distribuidores de energia. Empresto, dou, vendo. Se tivesse guardado todos que já comprei não teria lugar em casa, para mim. Eu teria que comprar uma casa só para eles. Assim, quando percebo que sua hora já passou, eu os levo para uma Biblioteca, ou para o sebo do João. Dou para os amigos. Há pouco tempo dei Lolita de Nabokov. Dei a Caixa Preta de Amos Óz, para minha amiga Tamar. Dei a Ciranda das Mulheres Sábias de Clarissa Pinkola Estés, para minha amiga que havia se tornado sábia. Para a minha amiga jardineira, dei da mesma autora, O jardineiro que tinha fé. Meu cunhado levou O Segredo, uma edição muito bonita, uma porcaria de livro. Todos eu havia comprado para ler, mas achei que estariam melhores em outras mãos. E, se me der vontade de reler, compro de novo.