Maysa - Quando Fala o Coração
Maysa - Quando Fala o Coração
Seis meses mais moça que a minha mãe. Foi para Andrômeda 6 meses antes que o Elvis. Cantava como um rouxinol oriundo de outros mundos. As boas línguas dizem ser de igual naipe da imortal Elis. As línguas que tem olhos, atestam que seus olhos verdes levantavam os mortos e abriam os oceanos. Um dos oceanos abertos foi o atlântico, pois cantava em várias línguas e destacou-se entre os franceses, a exemplo.
(Depois dos sapatos na churrascaria, reflexões sobre a retomada da carreira. Que não poderia terminar numa churrascaria. Mais aquele enfoque todo sobre o Antabuso. Acho que em 77 era daquele jeito. Uma espécie de recurso quimico contra a perversa alquimia do alcoolismo. Nos 90 vinha na forma de vacina. Tive um parente que foi 19 vezes para S. José do Rio Preto, tomar a tal vacina. Não surtiu efeito).
Edificante, o coração da Maysa falando. Não convivi muito com ela, em moldes de calendário quedava-me aos encantos da Rita, Lee. O que não quer dizer nada, pois essas coisas ultrapassam as margens estabelecidas. Tampouco estou me referindo aos calendários de borracharia, mas à minha sintonia nos anos 70. Cantarolava mutantes, e não “Felicidade Infeliz”. Com o tempo muta-se, e a felicidade vai se tornando até que nem tão felicidade assim. Mas também sou do tempo do “Anos Dourados”, um daqueles acertos globais que, irrefutavelmente, são acertos, e pelos trailers desta minissérie dava para obter o senso de que eles, entre si, ajoelharam e se renderam ante o sagrado desígnio dos espetáculos: fazer bem feito.
Primeiro episódio, pelo menos, não deixou por menos e confirmou os trailers.
(As cenas na ponte Rio - Niterói, com esparsos Fuscas, Brasílias, Fiats 147, detalhes de produção que demonstram o zelo e dão autenticidade. Sem falar no acidente, estilo “made in Hollywood”.)
Vivemos uma vida de comparação, querendo ou não, tem momentos que é um caminho benéfico, tem momentos que é o oposto. Nessa toada, na trajetória da Elis pululavam à sua volta os elementos que delineariam o seu futuro. Grosso modo, Elis empunhou a espada e ceifou os obstáculos que vinham do externo. No caso da Maysa, a luta antes foi interna, pois na percepção de seus supostos mentores ela poderia ser tudo, menos uma cantora profissional. Moralmente dizendo, no Brasil de 1956, a classe média poderia ser qualquer nota menos provinciana, já que “provinciano” é um up-grade para o estado das mentalidades de 56, ano de estréia da cantora, então com 20 anos de idade. Não deve ter sido fácil quebrar essas barreiras, já que elas são de ordem moral, tangível como o vento mas impactante como a música.
Não sei se a minissérie obedece algum padrão de homenagem comemorativa, acho que não resvala nos do tipo “x” anos de nascimento ou “y” anos de falecimento, mas pode respaldar-se em outros. Se assim for, estou cometendo uma gafe, mas pouco importa, daqui cem anos ninguém vai lembrar disso.
(Larissa Maciel, de vestido azul e a pequena orquestra acompanhando. Tudo no azeite, para nosso deleite)
A minissérie homenageia quem justamente deve ser homenageada, por um talento arrancado de dentro do peito à duras penas e de, ainda por cima, ter “estacionado” no falso carimbo de “cantora de fossa”. Para os acéfalos, é muito mais fácil rotular do que avaliar.
Maysa não só interpretava como compunha, uma quase novidade na época, poucas mulheres se atreviam. Globo ou não, Maysa estava muito além disso. Com uma audiência dessas, (global), e pelo asseio do espetáculo, nada a fazer senão aplaudir a homenagem.
(Narrativa numa moldura de estimular a inteligência.
Artigo raro na TV)
Dizem que quem move as coisas é o corpo das emoções. Outra vertente contesta, e atesta que tudo é no mental.
Quem dirige (mental), é o Jayme Monjardim (emocional), pois é filho da Maysa. Fusão dos planos.
Só para resumir, Jayme co-dirigiu “Roque Santeiro” e dirigiu “Pantanal”. Lista extensa de trabalhos televisivos, onde línguas de toda sorte não se coadunam, uns supõem que cometeu fiascos, outros proclamam que ousou. Fiasco é relativo. Ousar é digno.
No cinema, estreou com “Olga”.
A atriz Larissa Maciel tirou a sorte grande na verossimilhança, mas mesmo em terra de caolho já se sabe que isso não basta e a gaúcha mostra que sabe o que sabe.
Manoel Carlos bem escreve. Não manjo muito de TV, mas dando uma vista d‘olhos no seu CV, qualquer um que se atreva a falar sobre a história da TV no Brasil, precisa em seu CV sorver um pouco. Também tem uma lista de prêmios que vai daqui ao Municipal.
(Até Veneza, de tão manuseada pelas lentes de mil contingentes, ganhou um glamour especial)
Maysa já tinha música no sangue desde a pré-adolescência, muita gente tem, poucos bancam a parada, lembro que a mídia na época não foi suave com as emoções da intérprete, preferindo acentuar problemas pessoais do que enfatizar-lhe a voz veludo azul e antológica.
Ainda vai chegar o dia em que o populacho mental terá de se contentar unicamente com os astros do magazine Feições, azougues não pelo talento e sim pela assessoria de imprensa.
Maysa cantou, compôs e estrelou, chorou e sapateou, casou, descasou e mudou, na minha opinião, venceu.
Foram 26 discos. Compôs 26 canções. Parece que a minha “ídala”, Leila Pinheiro, tinha Maysa como referência, embora a dona do show serviu, e ainda serve, de referência para muita gente.
(Produção o fino da bossa, desde as minúcias do Copacabana Palace aos barcos de pescadores, dos fogos de artifício ao casório, pena que demoliram a casa dos Matarazzo, por pirraça, além de patrimônio histórico preservado daria um cenário e tanto).
Maysa teria hoje 73 anos incompletos. Com vinte e poucos, viveu numa selva onde a tarja “mulher desquitada” era encarada quase como uma maldição. Que também sobrava para os filhos. Falo isso de cátedra. Dizem, e me parece bastante óbvio, que este é o projeto da vida do Jayme. Palavras...Só tem algum valor quando vem do coração. O diretor mostrou, contudo, que foi de lá mesmo que vieram. As palavras e as imagens.
Fico no primeiro episódio, infelizmente, assim como infelizmente devo colocar aspas no comentário final, que justifica minha ausência como espectador nos demais: “todas as noites visto uma roupa de aranha gigante, e saio para combater o crime”. Assim, terei de me contentar com o DVD.