despedida

Quando ele e eu rompemos, não nos despedimos. Tentamos, até que tentamos. Passamos algum tempo junto naquela pousada paradisíaca. Comemos bem. Comemo-nos literalmente Visitamos lugares de muita mística. Mas não conseguimos dizer adeus.

Por causa disso, algo em nós ainda ficou. Parece que algo nos leva a pensar naquilo que passou – mesmo que estejamos inteiramente focados, agora, em nosso presente. Algo parece nos puxar. Uma espécie de dor.

Lembro-me bem. Ao deixar-me na porta de casa, ele foi embora e não olhou para trás. Eu o acompanhei com o olhar, pelas ruas, e até tirei umas fotos. Que se perderam num celular dos muitos que tive.

Ele não olhou para trás talvez com algum medo do que fosse olhar. Ou talvez com algum receio de voltar atrás. Ou talvez com algum receio de si mesmo, daquilo que poderia vir a sentir falta.

Eu pisei muito na bola, hoje sei. Na época, eu não notava – ou não sentia. Essas pisadas na bola vieram-me com o tempo à memória. E só com o tempo também fui superando-as. Percebendo por que sentia assim. Entendendo melhor as âncoras que me prendiam a um passado que me tornava pusilânime. Acho que nunca o perdoei pela primeira vez quase brutal no banco traseiro do carro.

Eu passei a olhar só para a frente. Ele notou isso pelas fotos que encontrou na web. Notei isso também pelos selfies que passou a tirar. Notei pelos lugares que frequentou. Hoje é possível achar tudo natural. Odeio! Nada é natural! Mas para quem conviveu para valer, os pequenos sinais dizem tudo.

Quando estávamos em crise, saíamos para jantar em lugares cada vez melhores. Hoje faço o mesmo. Quando isso acontecia, eu sugeria filmes que poderiam fazê-lo pensar melhor naquilo por que passava. Hoje ele faz o mesmo.

Eu, de minha parte, não retomei minha vida sentimental – sinto dizer. Tentei embarcar com uma pessoa bastante amigável, e me dei mal. Me apaixonei por outra pessoa, mas acabei me tornando apegada demais ao sexo que rolava. Errei duas vezes. Houve tentativas outras. Mas não continuei e meio que me cansei. O mundo também me puxou. As prioridades.

Percebo que tenho todo um mundo novo pela frente. Um mundo que está em mim. Dentro de mim. E que só não avançou por um motivo mais do que claro: tentei, mas não consegui dizer adeus. Fiquei com algo entalado. E esse algo me impede de olhar para a frente.

O tempo passa, e vejo seus indicadores de crescimento. Vejo como se distancia, como se eu ainda estivesse na rua, a segui-lo. Vejo seu rosto, sempre com um selfie novo. Vejo seus passos, e sinto como ele segue, fagueiro.

Enquanto isso, eu tento me despedir. Dar-lhe um último aceno, mas sem conseguir. Dormir em paz, despertando com imagens, sons e lembranças. Percebendo que a despedida está em mim, e que talvez seja de mim. Não dele, de mim.

BiaSil
Enviado por BiaSil em 16/08/2022
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