Oração às moças
Há uma escola chamada Rui Barbosa em Varsóvia. Sua fundação data de 1908 e, terá sido, a meu ver, uma homenagem prestada ao jurista e político brasileiro que brilhou na conferência universal da Haia - Holanda - em 1907. Ao lado de um alemão, também famoso, mas cujo nome me escapa aqui. A partir de sua fulgurante apresentação, Rui passou a ser cognominado, com a fronte nimbada de glória, O Águia de Haia.
Em meus cinco anos vividos na capital da Polônia, de 1980 a 1985, testemunhei muitas transformações no país, sem ter aprendido propriamente o idioma local, e sem ter visitado o educandário referido. Minha mulher e filha, no entanto, desenvolveram bem a capacidade de comunicação na língua chopiniana, tanto pelo ouvido musical, quanto pela maior exposição a falantes do vernáculo. Em meu trabalho diplomático, a interlocução se fazia mais frequente e facilmente em português e em inglês, ou até em francês. Alemão e russo eram convenientemente desprezados.
Servi sob o comando de dois experientes Embaixadores, José Osvaldo de Meira Penna, e Armindo Branco Mendes Cadaxa. Cada um com seu estilo, suas habilidades e semelhante determinação por bem servir os interesses nacionais. O convívio com Meira Penna foi de menos de um ano e seu afastamento voluntário decorreu da discordância com empréstimos feitos à Polônia em condições facilitadas, que resultaram no episódio das polonetas. Altivo, conservador e intransigente, além de homem de posses, Meira Penna preferiu aposentar-se extemporaneamente.
Foi autor de variada obra analítica, centrada na análise de psique coletiva do homo brasilis. Um paralelo que sua obra suscitava - a mim, pelo menos - é com Gilberto Freyre, além de Carl Jung. Era correspondente do Jornal do Brasil e seu pensamento se encaixaria nos pendores de um Plínio Correa ou de um Gustavo Corção. Viveu exatos cem anos.
Cadaxa, seu sucessor, chegou a Varsóvia em maio de 1982, procedente da Embaixada em Kingston, Jamaica. Tinha vocação literária mais para a poesia, que compunha em língua inglesa. Almejava um romance, que poderia ser o coroamento de sua vida nas letras, e cometeu seguidos capítulos nos seus tempos varsovianos. Donina, era o título que encarnava a vida dalguma musa de tempos remotos.
Demais, Cadaxa era fã de palavras e expressões de efeito, e de pouco uso em nosso linguajar, oral ou mesmo escrito, tais como escarmentar, à socapa, à sorrelfa, espadanejar, e outras preciosas gemas que me não vêm de imediato...
Mas vamos à escola Rui Barbosa: Cadaxa foi convidado a proferir conferência para o corpo docente e o discente do dito educandário, que era composto essencialmente de donzelas adolescentes. Dos três auxiliares diplomáticos de que dispunha, a escolha para a preparação do discurso, recaiu sobre o mais júnior entre nós, o Terceiro Secretário Jorge Karl de Sá Earp, responsável pelo Setor Cultural da Missão e que já dispunha, em sua bagagem, de duas ou três obras publicadas. Após receber as instruções específicas do palestrante, Jorge confidenciou-me que faria um texto baseado na Oração aos Moços, peça essencial na obra de Rui.
O texto, vazado em português mereceu poucos reparos do Embaixador, apreciador contumaz de obras literárias. Jorge acompanhou Sua Excelência à escola naquela solene ocasião. E voltou encantado com a reação viva e interessada das moçoilas todas as vezes que o Embaixador, enfatizando sua fala, pronunciava o nome de Rui. E, embora me falhe aqui o melhor conhecimento da língua polaca, sobretudo seu jargão, algo pronunciado como Rui quer dizer o órgão da virilidade masculina.
Ruidosos aplausos encerraram a sessão.