A Liberdade de Expressão Religiosa e a Voz da Intolerância

O direito à liberdade de expressão está previsto na Constituição de 1988. Dentro do tema pode-se citar a liberdade de expressão religiosa, que é um direito que permite às pessoas expressarem sua fé sem serem ridicularizadas. No entanto, mesmo num país multicultural como o Brasil, os números de denúncias de crimes de intolerância religiosa vêm crescendo bastante nos últimos anos. Um infeliz índice que está, sem dúvidas, apoiado numa 'laicidade predominantemente cristã' e na política do silenciamento às minorias, que resultam no abuso irrefreado da liberdade de expressão.

Um dos pontos principais que deve ser observado nessa questão é, justamente, a relação entre o Poder e a religião, isto é entre a política brasileira e o cristianismo. Existe no congresso nacional uma frente parlamentar composta exclusivamente por políticos evangélicos, muitos são pastores, que totalizam mais de 90 (noventa) parlamentares. De natureza conservadora e influência popular gigantesca, eles discursam abertamente em frente a uma Bíblia e debaixo das cruzes penduradas nas paredes no parlamento contra os mais importantes temas para a garantia da igualdade e dos direitos às minorias, entre elas a minoria religiosa, composta principalmente por crenças afro-brasileiras. É inevitável pensar que os discursos intolerantes proferidos por líderes políticos e religiosos incentivem de alguma forma os crimes de ódio e abusos da liberdade de expressão: entre 2012 e 2015 os casos registrados de intolerância religiosa aumentaram em 105% em todo o território brasileiro, segundo apontam denúncias à Secretaria de Direitos Humanos. Mais recente, em 2018, houve o caso polêmico de um vídeo que mostrava praticantes de Bruxaria Moderna realizando um ritual em local público na cidade de São João de Meriti. O ato inofensivo, e que não deve ser interpretado por uma ótica diferente às manifestações religiosas públicas de vertentes cristãs que ocorrem no Brasil todo, acabou gerando boatos, calúnias e ameaças de linchamento e morte aos praticantes da religião conhecida como Wicca. Obviamente o caso tomou tamanha proporção e repulsa por falta de informação e de tolerância daqueles que não conhecem ou não são adeptos a essa crença.

Os casos criminosos de diversos terreiros de umbanda e candomblé destruídos em todo o país, especialmente em Rio de Janeiro e São Paulo, que aconteceram com mais frequência em 2017, também vêm aumentando desenfreadamente e mesmo assim não causam o devido impacto e repugnância nas mídias e nas pessoas em geral como deveria, ao contrário dos casos que caluniam essas religiões diversas. Fica evidente assim que concomitantemente ao aumento da intolerância religiosa também existe um aumento, ironicamente, da “resistência às minorias”, ou seja, da ideia de conservadorismo e de hegemonia religiosa, simultaneamente ainda à ascensão do ativismo político em prol às minorias, que naturalmente deveria ocorrer num país tão culturalmente pluralista como o Brasil. Nasce dessa forma um cenário ideológico de polarização e extremismos, dentro e fora do âmbito político, alimentado pela predominância de um pensamento litúrgico, dogmático e democraticamente retrógrado.

Com força, a voz da intolerância ecoa para dentro das mais populares igrejas e, consequentemente, às casas das famílias brasileiras. Trata-se de uma ideia excludente e constitucionalmente elaborada para favorecer somente uma parte da população, e que doma o pensamento e o discurso do fiel propagando um falso direito inato de dominância e de repúdio àquilo que não condiz com a sua própria ideia de fé. Um explícito abuso de liberdade de expressão e imposição religiosa amplamente presente também em temas relacionados aos direitos sociais atualmente discutidos no nosso país.

É perceptível que a predominância de um pensamento religioso específico no âmbito político de um país, praticamente recém-nascido no exercício da democracia, é altamente perigosa se não estabelecido um meio de diálogo igualitário entre esta maioria e as demais religiões, que em suma não são devidamente representadas no parlamento hoje. Portanto, a ideia de filiação e da busca pela fala no âmbito político poderia ser mais incentivada dentro dos terreiros, templos e demais locais de culto das religiões que são minoritárias hoje, porque a voz da minoria existe e deve ser ouvida. A liberdade de expressão religiosa e o direito de exercer a sua crença na sociedade, seja ela qual for, são tópicos previstos na constituição e devem ser prezados acima de qualquer outro discurso dentro e fora do congresso nacional, que hoje os coloca em risco.

Lucas Häkkan
Enviado por Lucas Häkkan em 25/11/2018
Reeditado em 20/09/2019
Código do texto: T6511885
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