CEMITÉRIO DE COLÔNIA HISTÓRIA E PATRIMÔNIO

CEMITÉRIO DE COLÔNIA

HISTÓRIA E PATRIMÔNIO

Falar de algo como um cemitério não parece ser das tarefas mais simples, visto que é um tema um pouco desconfortável para a maioria das pessoas devido ao fato de ser um lugar de descanso para os mortos e que é facilmente evitado por aquelas mais supersticiosas. Porém, o Cemitério de Colônia, no extremo sul da cidade de São Paulo guarda mais do que os restos mortais de alguns dos fundadores do bairro, guarda em si a própria história do local e da influência que esses colonos trouxeram consigo e que espalhariam para toda cidade. Um verdadeiro patrimônio histórico da cidade de São Paulo, mesmo não sendo mais um lugar de memória do povo alemão é um lugar de história, a do bairro e das transformações que ocorreram no cotidiano desses imigrantes.

O ponto de partida para essa pesquisa foi o livro, Uma São Paulo Alemã livro da grande mestra Sílvia Cristina Lambert Siriani, onde a autora busca as origens dos imigrantes alemães em São Paulo. Esse trabalho é realmente surpreendente, pois traz informações das mais variadas para entender os motivos da imigração, o acaboclamento desses germânicos e sua dura rotina tentando se adaptar aos moldes da sociedade da época. História é escolha e por essa razão escolhi falar desse cemitério que fica num bairro vizinho ao meu, um lugar cheio de nomes como Hessel, Reimberg, Guilguer entre outros que sempre foram muito comuns nessa região e por isso trago aqui minha pesquisa sobre esse patrimônio.

Para contar a história do Cemitério de Colônia, deve se ir buscar os motivos pelos quais os alemães saíram de suas pátrias e vieram para um lugar totalmente desconhecido para eles. É certo que alemães já vinham para o Brasil desde muito tempo, desde a época da abertura dos portos que foi assinada pelo então príncipe regente Dom João VI em 1808 com a chegada da família Real de Portugal, porém em pequeno número. A grande imigração aconteceu realmente no século XIX durante o império de Dom Pedro I, pós independência em 1822. Do contrário do que ensinaram porcamente nas escolas até meados de 1995, a independência do Brasil não foi um processo glorioso, sem lutas e patriótico, pelo contrário, houveram diversos conflitos que necessitavam de um grande contingente de soldados, o que o Brasil não tinha, para isso de maneira um tanto quanto sorrateira (para não falar um palavrão), o imperador mandou o major Georg Anton von Schaeffer para a corte de Viena e outras cortes europeias germânicas para reunir colonos para o processo de imigração para o Brasil. A Europa passava por um processo revolucionário, tanto industrial quanto religioso e isso gerou repressões e perseguições de uma grande parte da população, muitas dessas pessoas foram afetadas por essas mudanças e isso acabou por ajudar na imigração em massa de milhares de pessoas que pretendiam ter uma vida nova no novo mundo fugindo da instabilidade, explosão demográfica, desemprego, fome e do desespero. Para “seduzir” os novos colonos D. Pedro I oferece várias vantagens como ferramentas, gado, ajuda financeira, sementes dentre outros benefícios, que em via de regra não foram compridas da forma esperada. O que os alemães receberam de fato foram lotes de terras em uma área muito montanhosa, barrenta e cheia de pântanos.

Uma grande parte desses colonos eram soldados que vieram junto com as famílias de colonos para trabalharem no campo, tanto nas terras doadas como em fazendas pelo interior paulista. O que ocorrera é que após as guerras napoleônicas uma série de medidas foram tomadas para evitar o surgimento de um novo Napoleão Bonaparte, e uma delas era a proibição de movimentação de soldados para fora da Europa, e como o filme do Dom Pedro I "tava" queimado, ele era visto como uma ameaça em potencial, um usurpador. Dessa forma (jeitinho brasileiro?) Dom Pedro I incorporou em suas tropas soldados alemães (Prussianos) que já tinham experiência em guerras e que estavam desempregados desde o fim da guerra contra Napoleão Bonaparte.

Ao chegar no Brasil alguns alemães subiram a Serra do Mar pelo Caminho Real e se instalaram nos lotes de terras doados pelo imperador a fim de formarem uma colônia agrária denominando assim a Colônia Alemã, que durante a segunda guerra perde o “ Alemã ” e fica só Colônia mesmo (ou Colônia Paulista e ainda Colônia de Santo Amaro). Dentre os imigrantes que vieram haviam sapateiros, alfaiates, tecelões, ferreiros entre outros que foram prejudicados pela industrialização.

Decerto que várias regiões do Brasil foram ocupadas pelos alemães, principalmente no sul, onde ainda hoje se concentra a maior colônia no país. No entanto o que nos interessa aqui são aqueles que se estabeleceram em São Paulo, precisamente onde hoje é o bairro de Colônia na região de Parelheiros. Outrossim, não tem como falar do Cemitério de Colônia sem fazer o recorte histórico dos motivos pelos quais se tornou algo tão interessante, e, por que não, didático.

Até mesmo para os dias de hoje a região de Parelheiros como é conhecida é um lugar de difícil acesso, com estradas sinuosas, estreitas e empoeiradas. É um lugar bem distante do centro da cidade, cheia de pequenas chácaras e favelas que crescem de uma maneira muito rápida, devido a grande ocupação irregular de terrenos que hoje pertence ao INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária ) ou que estão sob proteção ambiental, terras essas que deveriam estar sob os cuidados da Guarda Ambiental por se tratar de lugares com uma grande biodiversidade, mananciais e floresta tropical (grande parte dos proprietários se utiliza do usucapião da terra). Falta fiscalização e consciência da população. É nesse local que está preservado o Cemitério de Colônia.

O cemitério foi foi fundado em 1829, e construído através de doação de um terreno por D. Pedro I para 200 colonos alemães que ali se instalaram em 1827. O imperador era um entusiasta dos cemitérios a céu aberto. Naquela época os católicos eram enterrados dentro das igrejas ou em cemitérios ao redor dela(os não católicos podiam ser enterrados no Cemitério dos Enforcados onde hoje é o bairro da Liberdade). As pessoas eram enterradas perto do altar de acordo com sua importância e das doações feitas para a igreja, quanto maiores as doações mais perto ficavam. Isso de certa forma causava alguns problemas por causa do mau cheiro que os corpos, mesmo enterrados exalavam, sem contar o cheiro das flores que se misturava ao cheiro dos incensos durante os cultos. No entanto, para ser enterrado em solo sagrado não bastava só a pessoa ser muito rica e poderosa , ela tinha que ser católica.

A grande maioria dos alemães que formaram a Colônia de Santo Amaro era protestante (Luteranos) e por essa razão não podiam ser enterradas nos cemitérios que a cidade possuía. Alguns alemães iam até a capela que ficava em Santo Amaro e se utilizava dos ritos católicos para batismos, por exemplo. Isto posto, houve a construção do Cemitério de Colônia em 1829. Os próprios colonos fizeram a construção das primeiras sepulturas, algumas delas tem sua estrutura mantida até hoje. Vale lembrar que eram em seu ofício ferreiros, fabricante de cerveja e tecelões. Porém, havia também mestre de obras, pedreiros e carpinteiros, sendo um povo muito importante para o desenvolvimento comercial e industrial da cidade de São Paulo.

Não tem como ir no Cemitério de Colônia e não reparar nas imensas cruzes de ferro que estão postas nas paredes (estão nas paredes devido a deterioração de suas respectivas sepulturas ), tudo leva a crer que essas cruzes foram forjadas na Real Fábrica de Ferro São João do Ipanema em Araçoiaba da Serra, perto de Sorocaba em São Paulo. Essa siderúrgica foi construída a pedido do então príncipe regente Dom João VI e tinha como finalidade abastecer o império com armas brancas, peças para engenhos, além de utensílios domésticos como panelas, e luminárias. O local para a construção da fábrica foi detalhadamente escolhido pelo fato da região ter um grande volume de minério e madeira o que era essencial para a operação da fábrica e foi de lá que vieram as dez cruzes que sobraram no cemitério atualmente. Digo sobraram porque há indícios de que outras cruzes tenham existido lá um dia e foram roubadas durante o tempo em que o cemitério ficou “abandonado’’.

Como a cruzes chegaram ao cemitério é um grande mistério cheio de versões e nenhum consenso. A história oficial que esta amostra em um cartaz dentro do cemitério, fala que as cruzes podem ser as mesmas forjadas em Ipanema, no entanto o mais provável é que elas realmente foram produzidas lá e trazidas até a região de Parelheiros por familiares ou comercializadas para as famílias locais. Como se tratava de um povo muito ligado ao comércio essa versão parece bem aceitável.

Os nomes mais frequentes nos túmulos são das famílias Guilguer, Reimberg, Roschel e Hessel. Esses nomes são comumente vistos em ruas e avenidas locais, por se tratar dos fundadores dos bairros da região e arredores. Muitos dessas famílias viviam do comércio e de escambo, fazendo viagens até a freguesia de Santo Amaro onde ficava o Largo do Jogo da Bola, hoje Largo 13 de Maio. Dessas viagens surgiram as parelhas entre brasileiros e alemães que disputavam para ver quem tinha o melhor cavalo e fazia o percurso em menor tempo. Com isso o bairro que se chamava Santa Cruz, por causa de uma grande cruz que havia no local passou a ser chamado pelo topônimo de Parelheiros .

O Cemitério de Colônia fica hoje numa rua de nome japonês, Sachio Nakao, isso se deve ao fato de uma grande quantidade de japoneses terem recolonizado o bairro por algum tempo. Porém hoje apenas alguns poucos descendentes tanto de alemães quanto de japoneses permanecem na região, após se acablocarem . Diversos são os fatores para isso e um deles foi por conta das terras serem improdutivas o que fez com que muitos alemães fossem embora para outros lugares, principalmente para o sul, onde já havia grandes colônias em terras muito mais cultiváveis, além de um clima mais ameno o que causou melhor adaptação.

Alguns descendentes dos pioneiros ainda hoje moram no bairro, um deles é coveiro no cemitério alemão e conta várias histórias sobre o lugar, uma delas é sobre um túmulo de um escravo que foi enterrado lá com o nome de João da Silva. Ele conta que o dono do escravo tinha muita estima por ele e por isso o enterrou lá. De fato há um túmulo com os dizeres “AQUI JAZ JOÃO DA SILVA FALECEU A 13 DE JULHO COM 73 ANOS DE IDADE SAUDADES DO SEU PROTECTOR”(não tem o ano do sepultamento). Esse funcionário que prefiro preservar o nome tem o sobrenome Reimberg .

O Cemitério de Colônia está hoje muito bem preservado, os túmulos estão bem limpos e pintados, isso, segundo outro funcionário do lugar, rendeu uma multa e um processo na justiça pelo Departamento Histórico de São Paulo. O cemitério teve como características primárias ser um lugar para enterros de protestantes Luteranos, porém hoje é um cemitério ecumênico.

Desde o ano 2000 o lugar é administrado pela Associação Cemitério dos Protestantes (ACEMPRO) que mantém sob sua guarda alguns poucos documentos que sobraram durante o período em que esteve fechado. A perda de parte desses documentos se deu principalmente pela má conservação e furto. Os documentos restantes estão guardados na sua sede que fica na Rua Teodoro Sampaio em Pinheiros, os documentos que ainda se encontram no bairro do Colônia são os dos novos sepultamentos.

Durante a segunda guerra mundial, quando o Brasil declarou guerra aos países do Eixo formado por Alemanha, Itália e Japão, muitas referência aos paíse aliados aos nazistas foram proibidas em todo território nacional, foi nesse período que o nome Alemã foi retirado definitivamente do bairro, inclusive times de futebol tiveram seus nomes mudados, tanto o Palmeiras em São Paulo quanto o Cruzeiro em Minas Gerais, ambos se chamava Palestra Itália.

O cemitério ficou abandonado durante muito tempo, os populares contam que nesse período um homem ficou cuidando do lugar fazendo serviços de jardinagem e quando morreu teve ali sua sepultura. Os vizinhos contam que havia roubos das peças de metal do cemitério e consumo de álcool e drogas no local . Aliás, conversando com moradores próximo da pra ter uma ideia de como faz falta a comunicação e o conhecimento, visto que, muitos moram bem perto e conhecem vagamente a historia da necrópole. Alguns inclusive evitam o assunto por se tratar de um lugar do “coisa ruim”(?). (foi isso que uma senhora, moradora do bairro me disse). Perguntei qual era sua religião e a senhora disse que era “crente”(evangélica). Perguntei se ela sabia que eles eram protestantes; ela disse que só existe um deus verdadeiro que era o que ela seguia. Foi embora.

Não culpo as pessoas por não saberem da rica história do bairro onde elas moram, posto que história é escolha e a meu ver falta um pouco de divulgação por parte dos governos tanto Federal, Estadual e Municipal. Em 1996 o cemitério foi totalmente fechado, tendo suas funções reativadas em 2000. Em 2004 foi protegido definitivamente ao se tornar uma Zona Especial de Preservação Cultural (ZEPEC) e está disponível para visitações em grupo, desde que seja previamente agendadas para não atrapalhar nenhuma cerimônia.

O Cemitério de Colônia, por si só já merece a visita, visto que é um lugar muito bonito, cheio de história e curiosidades. Tem uma parte nova, destinada a novos sepultamentos e a parte histórica que fica separada onde ficam os túmulos do século XIX .

Para quem gosta, depois da visita, pode ir comer algo (ou beber) no restaurante em frente ao cemitério e conversar com o atendente e os fregueses que sempre contam boas histórias do bairro.

Joey Rascunho
Enviado por Joey Rascunho em 09/11/2018
Reeditado em 23/01/2022
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