Ruas da (minha) infância
A gente lia aquela placa com o nome da nossa rua, mas nem sequer imaginávamos quem seria aquele grande homem. Ninguém sabia.
Mas afinal, qual a importância disso? Para nós, aquela era simplesmente a nossa rua, sobre a qual falávamos orgulhosos na escola, para aqueles que sequer haviam estado por lá. Era a rua do seu Vitão, da dona Irene, dona Clô e tantas outras personagens. Não havia praça, aliás a praça mais próxima era a pracinha da igreja, onde íamos passear de vez em quando.
No futebol, as coisas mudavam: ou era a rua da esquina x nossa rua, ou o "pessoal lá de baixo" contra nós, daqui de cima. Enquanto existiu o campinho, lá aconteciam nossas batalhas, ou então na rua mesmo, um futebol desigual, naquela baita descida. Normalmente os jogos acabavam em briga, seja entre os moleques mesmo, seja contra aquele vizinho mau-humorado, onde caía a bola no seu quintal e jamais seria devolvida.
Minha casa ficava na esquina. Quase todas as casas eram velhas, e as mais novas eram sem reboco. Cidade abrigo dos meus sonhos de mocidade, pouco amada, mas que sempre significou muito pra mim.
Nossa rua terminava sem saída. Às vezes íamos até lá pra andar de bicicleta. Subindo mais adiante, era possível avistar a imensa lagoa e o porto de areia. Uns moleques que se arriscavam nadar por lá, mas era muito perigoso. Amigos nossos acabaram por morrer afogados.
Tinha um senhor que vendia carne de porcos em um jipe velho. O pessoal chamava ele de "Porqueiro". Mas não posso esquecer do Vô. Diziam que ele já passava dos cem anos, e sempre abria a portinhola pra vender doces, com moedinhas de Cruzeiro.
De vez em quando aparecia um cachorro ou um gato perdido pelas redondezas. Certa vez levamos um gatinho bem pequeno pra casa. Demos leite e comida, e ele foi ficando por lá, até simplesmente pegar seu rumo e sumir.
O vizinho da frente tinha um cachorro amarelo que sempre acompanhava os meninos até a porta do mercado, mas nunca entrava.
Depois a gente cresceu e ficava feio brincar de esconde-esconde, jogar bolinha de gude, fazer açudinho com água da chuva, brincar de rouba-bandeira. Já se falava em namoradas.
O tempo passou, a turma se dissolveu. Caminho por movimentadas ruas de cidades grandes, mas levo comigo as ruas da infância. Me disseram que estão cheias de casas mudadas. Há uma ou outra casa antiga, caindo velha, tudo feio e apático.
Mas pra falar a verdade, feias são minhas ruas de hoje, tristes ruas de adultos, sem mistério ou esperança.
(Texto adaptado de Elias José- as partes alteradas refletem às ruas da minha infância)