De Que Tenho Medo ?

* De uma mulher do próximo largar o próximo e eu ser o próximo.

* De ser adepto de alguma igreja, credo, ou qualquer coisa que envolva repercussão do espírito diante da eternidade.

* Ser tênue balança onde os fracos de espírito se pesam.

* De passar a andar de costas pensando que estou correndo prá frente.

* Tenho medo do amanhã não ter depois de amanhã.

* De ferir a dor do próximo.

* De apreender a voar e não ter campo de rosas para pousar.

* Ser pobre de pensar, rico em ganhar.

* De receber esmolas de ouro de reis de prata.

* De ser atalho para o falso.

* Tenho medo daquilo que anunciam e daquilo que escondem.

* Tenho medo de encontrar um amigo de infância e chorar.

* Tenho medo daqueles que lutam pelos amigos e dormem com os inimigos.

* Tenho medo de qualquer vício. É um desastre existencial.

* Das rosas que não reluzem.

* De quem não é e pensa que é, e daqueles que são, mas dizem que não são.

* Da ilusão quando se torna papável.

* De belezas adornadas em ouro dos tolos.

* Das coisas fáceis demais.

* De quem pensa que o perigo só mora nas esquinas da vida.

* De não me deixarem falar quando quero gritar.

* De viver amores eternos que morrem ao nascer do sol.

* De alguém me convencer que as coisas têm que ser assim.

* De ser propriedade da tristeza.

* Tenho medo do céu e do inferno, apesar de não acreditar em nenhum dos dois.

* De ser amante dos falidos em pureza, e intensidade dos derrotados pela agonia dos que me desprezam.

* De todos que se dizem donos de alguma coisa.

* De descobrir o que é a tristeza e morar com ela.

* De sentir a aragem de inverno no ávido verão.

* De ser adepto da exclusividade.

* De ser intransigente com a solidão.

* De pensar que a igualdade entre as pessoas é apenas formalidade.

* Das coisas que chegam primeiro.

* De saber o que é um sonho e nunca ter um.

* De abrir a porta e perceber que vivia num deserto.

* Das luzes que nunca se apagam.

* De pessoas que vivem em capas de revistas.

* De caminhar à noite e o relógio da matriz marcar meio-dia.

* De ser chamado e não conseguir ouvir.

* Do tempo achar que estou sendo demais.

* De minha mulher achar que meu prazo de validade extinguiu-se.

* De reviver o passado sem nunca ter tido um.

* Dos que falam em bondade, fraternidade e amor só segurando uma garrafa de aguardente.

* Esquecer que dia foi ontem e que no ontem eu jamais estive e, se estive, alguém me falar que ele existiu.

* Duvidar da palavra de um sóbrio.

* De acreditar na guerra e naqueles que delicadamente as constróem enquanto saboream cerejas com martini.

* De meu cão entender tudo o que eu ensino prá ele.

* De aprender a escrever e as pessoas chorarem com o que digo.

* De toda manhã sobrevoar meu jardim, de poucas flores, sem nunca ter aprendido a voar.

* De não aprender a morrer.

* Da mulher que amei na juventude, e me renegou, e hoje pede esmolas de amor, em todas as camas dos reis falidos, que normalmente frequenta.

* De aprender a pensar.

* De pensar que estou burilando pepitas de ouro que não passam de mesclas de pedras rudes e solitárias.

* De nunca acreditar no que digo, falo ou escrevo.

* De ser tecnologia ultrapassada.

* De ter centenas amigos de papel.

* Transformar meus sonhos em realidade.

* De ser pássaro e viver cantando para alguns homens ávidos em embebedar-se com meu canto-prisioneiro.

* De ser triste.

* De ser gente.

* De não ser.

José Kappel
Enviado por José Kappel em 06/08/2007
Reeditado em 06/09/2007
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