A necessidade da Arte
Faz um calor sufocante. O lotação vai carregado de gente. Gente dependurada qual bananas em um cacho. Bananas maduras, bananas verdes, bananas de minissaia, bananas de jeans, barba e cabelos compridos. As bananas se acotovelam, se empurram... Deus colocou-lhes a voz, para que? Para que se insultassem? Elas brigam e gritam nessa preludial visão do inferno.
Terno e gravata. Além de tudo, é preciso terno e gravata. Sinto-me um enforcado de dez dias. Fecho os olhos, e parece-me que olham, que olham como se minha língua estivesse dependurada e roxa, num insulto póstumo. Sinto em volta um odor horrível. A gasolina e óleo queimados prenhando-me os pulmões exaustos. É horrível. Mesmo de olhos fechados, sinto a pressão do mundo. A pressão tremenda de dez mil metros abaixo do nível do mar. Além de tudo, enforcado.
Ainda existem livros de poesia. Eu os vi, amontoados e sujos da poeira da inércia. Quietos e distantes. Ainda há discos de música, sonatas bem leves e acariciantes. Leves e sutis como as bolas de sabão que viajam pelas ruas centrais. Ainda vejo arte. A Arte. Arte de uma pintura a cores, de qualquer coisa além desse viver diário e semanal. Arte-fuga. Arte-descanso. Porque a Arte é hoje a única evasão da sociedade de consumo. Da estúpida sociedade-grilhão, prisão a que estamos destinados. Arte que nos tapa os olhos. Que nos une as pestanas para um sono-protesto.
Viva a Arte! Abaixo - pobre de mim - a massificação.
(Belo Horizonte, MG/1970)