O ingênuo
De quatro em quatro anos, os eleitores brasileiros são compelidos a irem às urnas eleger seus representantes: prefeitos, vereadores, governadores, deputados, senadores e presidente da república. De quatro em quatro anos, os derrotados, sejam eles de qual lado forem, bradam o mesmo discurso: "O Brasil não sabe votar".
Na última eleição presidencial, uma das mais acirradas da jovem democracia tupiniquim, o país viu-se dividido: por todos os lados amizades eram desfeitas, parentes brigando entre si e, principalmente, os derrotados gritando que o resultado das urnas era reflexo da falta de educação e bom senso dos cidadãos. Nas últimas eleições municipais, o mesmo discurso fez-se presente, agora com o acréscimo da falta de gratidão do brasileiro para com seus benfeitores.
Em palavras mais sucintas, não importa quem vença ou perca, o brasileiro nunca saberá votar — sempre vai existir alguma coisa que o levou a escolher Fulano ou Ciclano: programas sociais, a mídia, o professor... Mesmo sendo supostamente senhor de si, o cidadão tupiniquim ainda é um sujeito ingênuo demais para realizar uma escolha tão complexa e importante quanto escolher quem o representará por longínquos quatro anos, e é aqui que mora o perigo.
Julgar o cidadão brasileiro como ingênuo é o mesmo que o colocar no patamar de uma criança que ainda necessita do auxílio dos pais para mostrá-la o certo e o errado; é crer na necessidade de um "salvador da pátria", alguém com moral inabalável e plenamente voltada à nação — um sujeito utópico existente apenas em livros e filmes.
O brasileiro não é ingênuo, aliás, está bem longe disto. Por mais precária que esteja a educação, hoje ele sabe o quão importante é informa-se bem antes de escolher seu candidato, mesmo reelegendo os chamados "ficha sujas" — ou os "roubam, mas fazem". Ele não é como a criança que faz malcriação e depois volta correndo aos braços dos pais, protegido de uma punição muito severa por sua inocência e falta de conhecimento; ele sabe quem escolheu e está preparado para aguentar as consequências — por mais que fique a reclamar, um direito democrático, inclusive.
Acusar os cidadãos de inépcia é o mesmo que dizer que, caso o derrotado fosse escolhido, o fez pelos mesmos motivos da concorrência, ou seja, não importa quem fosse o escolhido, ambos os lados "manipularam o indivíduo" — uma contradição.
De ingênuo, o cidadão tupiniquim já provou não ter nada; ele é sim senhor de suas vontades e realiza suas escolhas por achar que elas serão o melhor para o país ou mesmo para si. A venda de votos ou a escolha de candidatos com pendências judiciais são provas, na realidade, da completa desilusão dele para com a política. Votar em alguém por troca de dinheiro, favor ou algum benefício faz parte da cultura do "jeitinho"; do costume (e necessidade) de se tirar vantagem de tudo. Escolher alguém que, descaradamente roubou, porém, fez alguma coisa, é a forma de, ao menos, garantir uma boa gestão, mesmo que ela signifique ter parte do dinheiro público em ações privadas — e fraudulentas.
Em síntese, o brasileiro sabe o que faz e está preparado para sofrer as consequências. Esperar por um salvador da prátia, aquele que fará tudo por e pelo povo é colocá-lo em um grau de ingenuidade não mais condizente com a realidade; é chamá-lo de inapto, para não utilizar outro termo. Sem contar com a possibilidade de alguém assumir o poder achando-se esse tal salvador e mergulhar, novamente, o Brasil numa nova ditadura.