POSTERIDADE

Quando contar aos meus filhos direi que vi: Palavras caras barateadas por ratos abandonando a barcaça que roeram, a égide frágil da democracia destroçada lenta e fria, sangrando feito um bezerro cuja carne crua já desperta a seiva dos seus sabores, a impunidade pra muitos, a anistia de quem desesperado pela salvação evoca seus deuses travestidos em moral conservadora; eu vi tempos loucos.

Tempos em que por amor a nação desproveram-na de liberdade, abraçados a bandeira nacional reescreveram as palavras centrais, “Ordem e Progresso” viraram Sim ao Golpe, presenciei a pátria dos analfabetos confundirem a Câmara com suas casas, o interesse particular atropelar milhares de votos; eu vivi tempos fechados.

De mentalidades retrógradas, ouvi estrondosas saudações a torturadores, um culto desconexo a família erigida à cristandade no espaço laico, corruptores fundamentando-se no sagrado suas torpes escolhas, remanescentes da época do medo reproduzindo-o sob aplausos; eu ouvi os fantasmas.

O grito surdo dos desaparecidos, a revolta dos torturados, o riso esdrúxulo dos culpados, a sombra de Herzog pendendo na corda usada pelos Jornalista para desnacionalizar anseios legais, os incontáveis desprovidos de oportunidades jazendo nas valas, nas favelas, nos cemitérios clandestinos, a tropa invisível e anônima de trabalhadores massacrados pela História, testemunhas vivas e mortas tombando junto com o País.

Sobretudo direi aos meus filhos: eu vi, ouvi e vivi a luta. Estavam ao meu lado as pessoas que lutaram, a árdua resistência as afrontas, cada golpe fortalecia a convicção, injetava a esperança que nos faltava, cada voto em favor ressaltava a consciência de responsabilidade pelo futuro, vi nascer das ruas a verdadeira mudança e um povo desconhecido ganhar corpo e voz, recolher a bandeira do chão, manchada de lama, incrustada de sangue e repressão, vesti-la e voltar as ruas, não mais acéfalos, não mais massa de manobra, vi que aquele dia em que tudo parecia perdido, na verdade era o começo do mundo que prepararia pra ti: toma é tua a minha luta!

Diego Duarte
Enviado por Diego Duarte em 18/04/2016
Código do texto: T5608805
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2016. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.