A carta
Compor em meus tempos escolares, quantas composições já compus! E ao que me recorda, nenhuma delas espontaneamente. Sempre comandadas e, com que suor, no último minuto, lavradas! E como resultado desse desforço, só excepcionalmente é que umas poucas delas geraram aquela felicidade que era lida em classe.
E não é que me desgostasse aquele reconhecimento capaz de deixar qualquer um rojo como un pimiento. Mas entre o desidério e a consecução, o caminho parecia não acabar não. No meu segundo ano primário, aluno de Dona Zinha, a brava Maria José Lima, pude experimentar esse gostinho.
Nossa diretora, Dona Carmen Itala Cesar Mota - ela parecia gostar mais do Cesar de solteira, do que do Mota, de casada - andara enferma, fora operada e se convalescia. Cumpria pois às classes escreverem uma mensagem formulando-lhe os desejos de plena e pronta recuperação.
Naquele caderno da capa verde desbotado e a lápis, quiçá por demais apontado, compus o meu recado: e consegui encher meia página. Por que cargas dágua, nunca soube da razão da escolha de minha redação e de sua anunciação.
Suponho, e só ponho, que fosse para dar um incentivo à banda dos meninos, que além de desordenada e pouco iluminada, era café pequeno para o zelo, o capricho e a dedicação das demoiselles. Não tive a pachorra de olhar, ainda que de soslaio, à minha volta, para testar a reação dos colegas diante da elevação de meu nome, de tão absorvido que me encontrava com aquele sucesso inesperado.
Porém - quando é que ele não vem - antes de me descansar sobre os louros, uma tarefinha: passar aquela obra a limpo, e pro supremo desgosto de um amante do farniente, na hora do recreio.
Foi um sofrimento reescrever aquelas linhas, tentando concentrar-me para lhes dar melhor legibilidade, enquanto ouvia a algazarra costumeira no pátio. Ainda pareço estar ouvindo-a.