Um Tal de Dr. Glaciomar.
Promessas foram cumpridas. Eu era réu condenado. Repetira o primeiro ano ginasial e entrava, naquele momento, para o colégio interno, com 11 anos de idade.
Meu pai, fingindo ser forte, disfarçava um sorriso amarelo, criticando em minha mãe, a lágrima que lhe descia no rosto. Eu, imitação de meu pai, continha um choro embutido que, entre uma palavra e outra, escapolia em soluços.
Assim foi minha chegada ao GRANBERY, colégio rígido, famoso por sua disciplina. Ali eu deveria conviver com professores e alunos do mais alto gabarito e, com certeza, absorveria toda uma gama de conhecimentos que influenciaria minha vida para sempre... segundo dizia o meu avô, um homem sábio, maduro, na época com 81anos de idade.
Eu não estava nem aí. Não ouvia ninguém. Nada disso me interessava. O que eu queria mesmo era jogar bola. E nisso, eu também já sabia, o colégio era ótimo.
Talvez, para amenizar uma possível dor de consciência, meus pais autorizaram à uma loja de esportes em Juiz de Fora, a fornecer-me todo o material necessário à prática do futebol. Foi aí,que dei asas aos meus devaneios e vesti-me inteiro de jogador; camisa colorida, short largo com suporte, chuteira com travas altas, meias listradas, joelheira, caneleira e uma bola de couro tamanho 4.
Já tinha alguma experiência adquirida em colégios anteriores, times de praia e até mesmo em peladas de rua. Todas mal sucedidas.
Fui escalado para jogar na categoria dos Mínimos.
No dia e hora marcados, fantasiado de craque, caminhei ansioso de chuteira pelas ruas. Mais parecia um pavão mergulhado na vaidade. No íntimo, sabia que eu não era lá essas coisas, mas a roupa empolgava-me, iludia-me. A bola então, nem se fala. Dava-me a sensação de poder.
No jogo de par ou ímpar, para a escalação do time, um para cá outro para lá, veio minha primeira decepção. Fui o último a ser convocado.
Deu-se o início da partida. Jogando no ataque, não via nem a sombra da bola que, sempre no pé do adversário, perseguia, com fúria, a nossa frágil defesa. Enchi minha vontade de brios e corri em auxílio ao meu time. Trabalhando pela área num vai e vem tresloucado, vi de repente aos meus pés, aquela do devaneio; a bola número 4. Dei-lhe um chute de trivela, torto e desorientado, marcando um magnífico gol... contra.
O técnico, o Felipão dos Mínimos, não acreditando no absurdo da façanha, expulsou-me imediatamente do time, substituindo-me por um candidato excedente. Com olhar de desaponto e sorriso amarelo, saí de campo vaiado. Errar era normal. Fazer gol contra nem tanto. Mas, ser vaiado... era de mais.E numa visão profética, veio-me o Zagallo à mente, gritando em meu pensamento: Vocês vão ter que me engolir. Vocês vão ter que me engolir.
Tomei uma dose de super coragem, olhei então para trás e vi um amigo cochichando ao pé do ouvido do técnico que, imediatamente inverteu a atitude e chamou-me novamente ao elenco. É que talvez não soubesse ou houvesse esquecido que eu... era o dono da bola.
O tempo tudo levou, mas o trauma ficou para sempre.
E hoje, quando do mundo dos sonhos onde habito, olho para trás e vejo-me fora dos Mínimos, dos Flamengos, dos Vascos e das Seleções Brasileiras, penso com meus botões: não fosse um tal de Dr. Glaciomar Machado, o Felipão da época, minha vida teria sido outra.
José Mattos
PS: Dr. Glaciomar Machado, o técnico dos mínimos, é hoje um grande médico gastroenterologista, professor da UFRJ e grande amigo meu.