Se o brasileiro amasse a vida o quanto ama futebol...
Há alguns meses atrás, eu estava sentado neste mesmo computador que escrevo agora este texto, quando meu irmão chegou a casa se arrastando como um açoitado. Ele pediu que eu fosse até ele em voz agonizante, e foi o que fiz. Encontrei-o na garagem, deitado de lado, dizendo que tinha dores no tórax, e que havia sido atropelado. Nesse momento eu entrei em choque. Alertei as outras pessoas em casa, e chamamos o SAMU, que não veio, por alegar já ter aparecido antes e não ter encontrado a vítima. Então colocamos o atropelado no carro e fomos a toda velocidade para uma unidade de pronto atendimento, pois o hospital regional da cidade está às moscas. O médico atendeu meu irmão dentro do carro mesmo, e solicitou uma maca para levá-lo a um leito, e lá ele ficou. Não enfrentou grandes complicações, mas na minha breve estada no hospital, eu pude refletir um pouco.
O Corinthians tinha acabado de ser campeão. Lembro da balbúrdia que ocorreu, antes e depois da final do mundo, e do quase hecatombe dos dias seguintes. Mas não teria sido diferente se o campeão tivesse sido o Flamengo, o São Paulo, o Palmeiras ou o Santos. O que me deixou triste mesmo foi perceber que, pelo futebol, todo brasileiro vibra, tem companheirismo, vontade de vencer. Na hora que a bola rola, esquecem-se os horrores e amores, pois aquele seu rival que torce pelo seu time vira seu amigo, e aquele seu companheiro, que torce para o time rival, vira seu inimigo. Uma grande festa. Bem dito, uma festa, uma “esbórnia.”
Agora, pense comigo: se o motorista que o atropelou tivesse amor pelo próximo do mesmo jeito que o brasileiro tem pelo futebol, a coisa seria diferente? Ele teria prestado mais atenção no trânsito, e percebido que, atravessando a esquina de uma rua de bairro, havia um pedestre? Ele teria parado para prestar socorro e não apenas chamar ajuda e bater em retirada, como fez? Ele teria dirigido com mais cautela, tendo amor para com a própria vida e com a vida do próximo?
Não é surpresa para ninguém que o trânsito das grandes cidades do Brasil é caótico, mas o de Sorocaba é especial. É diferente. Às vezes, acredito que alguma autoescola daqui venda as CNH, pois muitos condutores parecem animais atrás do volante. Outro episódio parecido ocorreu comigo. Estava em frente à Faculdade Anhanguera de Sorocaba, voltando para casa a pé. Fiquei diante da faixa, e coloquei o pé no asfalto, sinalizando que eu queria ir. Não apenas ninguém parou, como um inconsequente em uma picape jogou o carro em minha direção para me tirar da rua. Mas, com a graça de Deus, não sofri acidente algum.
Aí você pensa: se o brasileiro amasse a vida o quanto ama futebol, nossa sociedade seria diferente? Será que discutiríamos menos sobre quem ganhou e sobre que juiz é ladrão e falaríamos mais sobre melhores políticas públicas e uma reforma na educação? Isso mesmo, educação, escolar e cível, é o que falta para o cordial brasileiro.