Gaia Ferida
Poucos hão de perceber, enquanto atuais participantes do trânsito da história, que o presente gesto de atenção ao mundo orgânico será o melhor fruto oferecido à humanidade futura. A ecologia, antes de ser o grito ecoando somente dos grupos ambientais, é o contraponto exato aos valores imediatos da atualidade. Dificilmente quando conhecia gordas florestas, rios perfumados e ares refrescantes, o homem de recuados tempos poderia alojar a questão socioambiental entre seus pensamentos.
Hoje, na vertiginosa “era da informação”, em que o volume do conhecimento científico dobra em poucos meses, o conforto do homem "high tech", mais do que nunca, depende do ventre da natureza. Mesmo que as aflitivas questões que dela surjam pouco sensibilizem a necessidade das práticas não destrutivas.
O protecionismo da natureza não se confunde com a estagnação da ampliação industrial e da produção agrícola, como alguns técnicos sugerem. Acima do conceito de destruição enquanto caminho mais eficiente de ascensão geopolítica, como reza o paradigma atual, os processos utilitaristas de consumo deveriam observar as propriedades finitas e delicadas dos recursos naturais. Algo chocante de tão simples. A fábula de Esopo, "A Cigarra e a Formiga", atravessaria o campo da educação individual, para servir de conselho à humanidade inteira?
As questões de como encaramos o lucro e encarecemos os processos industriais, contrastando às alternativas renováveis, ajudam na formação da visão que concebe o homem apenas como um explorador egoísta. Formatam a percepção social, batucando o “exaurir até a última gota” em todas as camadas da população, claro, hipnotizando o desejo com objetos de consumo mediados pelo padrão comportamental da época. E é tão rígido esse pensamento de enfocar a natureza como máquina inesgotável, que quando a emergente transição para meios sustentáveis é apresentada, sempre raiam vozes de ceticismo e desestímulo.
Contudo, o problema também engloba o nível micro das relações. Poderíamos em sã consciência apontar negativamente a concentração de alimentos como prática de balança comercial, se em nossa geladeira assistimos o apodrecimento dos alimentos? O mecanismo da economia exploratória talvez reflita em larga escala a prática individual de destruição.
Em nível macro, a recente contribuição ao pensamento de renovação ecológica, surgida do relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) de 2007, revelou que nossa intervenção nos ecossistemas se refletirá de maneira impactante em vários níveis de complexidade, acarretando possíveis desordens na economia. O que anteriormente o homem extinguiu no decorrer dos séculos poderá acelerar com maior intensidade no transcurso de poucas décadas. Questões vergonhosas como a fome e o acesso à água potável tenderão ao aprofundamento se medidas de renovação não forem implementadas.
O modelo de capital empregado atualmente parte das mesmas bases de quando inexistiam os instrumentos de medida do impacto ambiental pela ação do homem. É mais cômodo ignorar, ou colocar os dados sobre a destruição dos ecossistemas em xeque, do que transformar o papel do triângulo mercado/mercadoria/consumidor. Ao assumir verdadeiramente tais dados, os países que se desenvolveram abraçados ao parasitismo ambiental deveriam se conscientizar de suas posturas, o que envolveria rever séculos de comportamentos políticos e teorias econômicas.
No entanto, a adaptação de políticas ultrapassadas frente aos novos tempos pode ser encontrada na difícil adequação de alguns países à estipulação coerente de créditos de carbono vinculados ao Protocolo de Quioto. Com a imobilidade presente no modo global de pensamento industrial, mesmo essa grande tentativa conjunta de conscientização do clima não consegue alcançar os patamares planejados.
Fortemente influenciados pela desunião ante o grave problema, os esforços minoritários em busca de melhorar a compreensão ecológica nunca foram tão acentuados como nos tempos atuais. O reconhecimento da natureza aos moldes da Teoria de Gaia – a Terra sendo uma sensível rede nervosa de vida, mesmo em sentido metafórico; a atuação do ser humano como extensão natural antes de predador artificial; o desenvolvimento de planejamentos econômicos integrados à biodiversidade; são retratos dos muitos caminhos para ouvirmos o canto esquecido por nossa civilização: a natureza é mãe.