Poesia e Graça
"Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma
tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível, que lhe deres:
Trouxeste a chave?"
C. Drummond – Procura da Poesia
Se as forças que modelam a Natureza, das estruturas galácticas às vibrações atômicas, quisessem velejar nos ritmos sensíveis, quais sensações deveriam provocar em seu caminho? Se o torpor de um santo quisesse agarrar o lápis e revelar pensamentos sobre as forças do Espírito, qual linguagem escolheria? Se o olhar amoroso de uma mãe coubesse no ínfimo instante, em que perfume comportar o tempo? Conformo-me. Jamais poderiam tais movimentos divinos ser reduzidos a algo maior que eles mesmos, eles são. E isso é Tudo. Ao poeta, no entanto, a sua aspiração suprema se aclimata no momento rude das palavras.
O poeta foi condenado a jamais deixar de escrever sobre aquilo que sabe que não poderá descrever. Pois se a Poesia é vida sentida, o poema é corpo de inverdade. A beleza desconhece o esforço que lhe tornou beleza; na poesia, o universo que a sensação tornou símbolo, quando elevada a ser, não biografa a experiência solitária daquele que a elaborou em seu instante de unidade. Entregue está, aos olhos da humanidade, apenas o caminho do meio: o poema. Aquilo que poderia ter sido e o processo criador intimamente respirado são duas margens que escapam à sutileza do co-criador. Seria lançar-se em nuvens buscar entender as facetas de onde se elaboram os tufões que cimentam o pequeno mundo do verso. Se nos é interditado tocar as túnica das Musas, sabe-se que o destino inevitável dos poetas é a contradição: quanto mais pressentem o imponderável riscando seu desejo de matéria.
Há um dito completo e fechado em cada poema, e um universo aberto e dinâmico que se esfumaçou sem se despedir. A Poesia é pomba esguia, olha-nos, impressiona-nos, e, noutro instante, eleva-se para outros ramos, para quem sabe, jamais lembrar-se do retorno. Na altitude de silenciar a alma para acordar a matéria, os poetas transportam multidões de sentires dentro de cada verso; são porta-vozes dos seres que também percebem esse laço, mas cuja música lhes é um fluir de acordes ruidosos. Não há pressa, não há medo; ao que sente, o dever se espaça ou se comprime, se diverte ou se redime, sendo a necessidade, inescapável.
O poema desenha-se sem saber de arquitetura, veleja na água salina da multiplicidade, e pode dormir na penumbra dos milênios. Acorda e quer viver! Quintessência, fogo alquímico nos cadinhos purificados; procura na forma bruta para ser pedra esfacelada de infinitas faces.
É coisa jamais sabida, qual a sombra que diz ao corpo que há corpo. E no quase ser de sua aparição, revela a luz, principiando ordem por onde entremeia o sentido orgânico do poeta. Sujeita que é ao capricho daqueles que lhe professam a voz, sabe que de vários ângulos um sólido não deixa de ser sólido, porque dentro dos vales, dos pulmões ou da montanha, o ar será sempre... ar. Uno a despetalar versos, derrama nas paisagens da humanidade, sua sonata única.
Se na superfície uma árvore se mostra majestosa, são suas raízes proporcionando equilíbrio e nutrição ao seu crescer. É o esperar das dobras temporais, sabendo que o poeta é fruto a ser maturado. E que para uma boa colheita, certas estações são indispensáveis.
Os poetas, ao refletirem os rios inesgotáveis da Poesia, vivem os raios que tomamos pelo próprio Sol. Poderemos retalhar as partes de um poema em frações mínimas, mas jamais esgotaremos a profundidade manifestada por um horizonte aconchegando as intenções estéticas; intocada pelos poetas. Por que é o princípio de onde a Arte se eleva para revelar o início das formas e apontar o destino final dos propósitos universais. O verdadeiro Sol.