Vestibular

"Paulo Roberto Parreiras

desapareceu de casa

trajava calças cinza e camisa branca

e tinha dezesseis anos.

Parecia com teu filho, teu irmão,

teu sobrinho, parecia

com o filho do vizinho

mas não era. Era Paulo

Roberto Parreiras

que não passou no vestibular

Recebeu a notícia quinta-feira à tarde,

ficou triste

e sumiu.

De vergonha? De raiva?

Paulo Roberto estudou

dura duramente

durante os últimos meses.

Deixou de lado os discos,

o cinema,

até a namoradinha ficou sem vê-lo.

Nem soube do carnaval.

Se ele fez bem ou mal

não sei: queria

passar no vestibular.

Não passou. Não basta

estudar?

Paulo Roberto Parreira

a quem nunca vi mais gordo,

onde quer que você esteja

fique certo

de que estamos do seu lado.

Sei que isso é muito pouco

para quem estudou tanto

e não foi classificado (pois não há mais

excedentes), mas

é o que lhe posso oferecer: minha palavra

de amigo

desconhecido.

Nessa mesma quinta-feira

em Nova York morreu

um menino de treze anos que tomava entorpecentes.

em S.Paulo, outro garoto

foi preso roubando carros.

E há muitos que somem

ou surgem como cometas ardendo em sangue, nestas noites,

nestas tardes,

nesses dias amargos.

Não sei pra onde você foi

nem o que pretende fazer

nem posso dizer que volte

para casa,

estude (mais?) e tente outra vez.

Não tenho nenhum poder,

nada posso assegurar.

Tudo que posso dizer-lhe

é que a gente não foge

da vida,

é que não adianta fugir.

Nem adianta endoidar.

Tudo o que posso dizer-lhe

é que você tem o direito de estudar.

É justa sua revolta:

seu outro vestibular."

Ferreira Gullar

Glaucio Viana
Enviado por Glaucio Viana em 30/06/2010
Código do texto: T2350744
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