Historieta: Encontro Casual (3ª parte)...

Naquela tarde uma faxineira nova estava limpando o chão do 8º andar quando alguém passou e derrubou a placa onde estava escrito: “Elevador com defeito, por favor, não usem!”

Como a faxineira era analfabeta, pegou a placa e colocou ao lado e não na frente do elevador. E foi assim que Ana Alice chamou o elevador estragado que agora ela e Sérgio se encontravam presos.

Eles já estavam a 6 horas no elevador.

Sérgio estava pensando no monte de mulheres que ele já havia pegado, e percebeu que nenhuma delas era como aquela interiorana.

Olhando para ela agora encolhida em um canto a sua frente, percebeu que ela era linda e que sua alma era mais linda ainda.

_ Você gosta de política? Perguntou Sérgio quebrando o silêncio.

_ Me diga o que não é político no mundo?

_ Como assim?

_ Todo o discurso, ou melhor, toda a fala que fazemos é política. Nada é desprovido de intenção ou de interesse. Somos todos políticos, uns até fazem papel de odiadores da política, e estão fazendo política contra a própria política.

_ KKKK! Riu Sérgio. Você é de última.

_ Você perguntou isso por que tinha algum interesse? Qual era? Perguntou ela.

_ Só pensei que uma moça do interior não gostasse de política.

_ Olha quantos pré-conceitos você formou sobre mim sem sequer me conhecer. E está fazendo que tipo de política?

_ Está bem! Então você gosta de política. Você é filha de político?

_ Não!

_ Você tem parentes na política?

_ Não!

_ Como você começou a gostar?

_ Agora está fazendo uma pergunta menos preconceituosa. Meu pai é agricultor.

_ E daí?

_ Meu pai produz muito, emprega muita gente e vê o governo comer o que a gente tanto luta para produzir sem dar nada em contra partida.

_ Ah! Mas seu pai pega o dinheiro do governo e com certeza deve ser um desse que não paga, que dá o calote?

_ Não! Meu pai graças a Deus produz com recursos próprios, sem financiamento e por ver o sofrimento dos pequenos formamos uma cooperativa de crédito que empresta dinheiro a juros de 2%, o mesmo juro dado aos funcionários públicos, mas que não é dado para os outros cidadãos desse país.

_ Então o seu pai é um sortudo?

_ Não! Ele é um trabalhador, apaixonado pela terra.

_ Você deve ser contra a reforma agrária?

_ Não! Eu sou contra isso que chamam de reforma agrária.

_ Explique-se?

_ Sou contra quem não tem vocação pela terra - receber terra, sou contra você jogar famílias no meio no mato e não dar condições para que elas vivam lá - para que produzam. Sou contra você vender terras e exigir que o comprador preserve 80% da terra e que produza em 20% para viver e suprir as necessidades do país, sem orientação, recursos ou incentivos.

_ Como você faria?

_ Primeiro as pessoas tinham que amar a terra, depois tinham que aprender como mexer com ela, depois deveríamos cadastrar esses agricultores, estruturar as fazendas, dar condições para o agricultor começar, abrir estradas para escoar a safra, implementar cooperativas para melhorar o preço, para que eu não te explore e para que os meus não pereçam de fome. Disse Ana Alice.

_ Você ama a terra?

_ Sim! Respondeu ela.

_ Você não falou dos impostos?

_ Os impostos precisam de reforma, que é difícil de realizar, afinal como vão reformar o galinheiro sem tirar as galinhas de dentro?

_ Não entendi?

_ Quem faz as leis em nosso país?

_ Os políticos!

_ Qual é o maior problema dos nossos políticos hoje?

_ A corrupção!

_ Como que alguém que não consegue ver o outro e suas necessidades, pode legislar em beneficio do outro e do país? Menos impostos implicam em melhores administradores do dinheiro público, menos propina, menos cuecas e meias recheadas com o dinheiro de nosso trabalho, você acha que eles estão dispostos a sacrificar tudo isso? Foi por isso que eu disse que é difícil, mas não é impossível.

_ Você não acredita na justiça? Perguntou Sérgio.

_ Qual?

_ Como assim?

_ Na justiça Divina eu acredito, na dos homens, bem, isso é mais difícil!

_ Por quê? Você por acaso não viu o caso dos juizes no estado de MT?

_ Vi, mas e daí?

_ Como assim? Os juizes caíram? Disse Sérgio.

_ Mas e os que continuam lá? São honestos, honrados? Teve concurso no estado onde só passou parente, genro ou aparentado de juiz, será que nenhuma outra pessoa que prestou aquele concurso era capaz?

_ Eu entendo!

_ Você assiste TV? Perguntou Ana Alice.

_ Sim! Claro, acho informação fundamental.

_ Mas qual? Perguntou ela.

_ Como assim?

_ Você já assistiu uns três canais diferentes falando sobre o mesmo assunto?

_ Não! Por quê?

_ Você deveria assistir e se perguntar por qual dos três você quer ser manipulado, e segundo qual interesse: o da emissora A, B ou C?

Sérgio ficou em silêncio, pensando no que aquela jovem lhe dizia, nunca tinha pensado sobre nada daquilo antes.

_ Você assiste novela? Você já viu que elas estão sempre lançando moda, idéias, inspirando o consumismo, inspirando muitas vezes até os abusos de todas as ordens? Preste atenção! Disse ela com a voz tremula.

_ Você está com frio? Perguntou ele.

_ Sim! Esfriou muito nestas últimas horas.

_ A gente devia se enrolar no casaco e comer umas frutas, brindar com água e deitar no chão.

_ É eu acho que não vai ter outro jeito mesmo! Suspirou ela.

Eles comeram, aproximaram e cobriram-se com o casaco. Sérgio sentiu seu coração bater forte ao contato do corpo de Ana junto ao seu.

_ Você vai conseguir dormir?

_ Sim! Respondeu Ana.

_ Eu velarei seu sono! Disse Sérgio.

_ Então dormirei como uma criança junto ao seu anjo de guarda. Disse ela sorrindo.

Continua...