Cap. XLV O Poder do Perdão: A verdade dos fatos

No dia seguinte Álvaro veio trazendo Carmem, que estava radiante.

Ângela ficou muito feliz com a visita, mas Álvaro tinha um problema que precisava de solução: o inquérito policial.

Só havia uma pessoa que podia resolver, era o delegado Magalhães, ele sempre se negara a encerrar o caso e agora tudo dependia dele.

Carmem o chamou para ir até o hospital, ele logo quis saber do que se tratava e ela disse que era uma surpresa para ele e assim convenceu-o. Ele pediu que outro o substituísse enquanto estivesse fora.

Assim que viu Carmem foi logo perguntando:

_ O que houve? Você está bem? Mamãe está doente? O que é?

_ Pare um minuto! E me deixe falar. Está tudo bem. Eu chamei você aqui para conhecer o meu futuro marido e chamando Álvaro.

_ Você!! Espantou-se Magalhães.

_ É ele. Mas nós temos um problema que só você pode resolver.

_ O que é?

_ A mulher dele voltou!

_ Como, é? Vocês estão de brincadeira?

_ Não. Disse Álvaro ao abrir a porta do quarto, onde estava Ângela.

_ Meu Deus! É ela mesma. Dizia Magalhães olhando Ângela de perto.

Passado os momentos de espanto, Carlos também fora chamado para a conversa.

Estavam no quarto de Ângela: Carlos, Álvaro, o delegado Magalhães e Carmem.

Ângela explicou ao delegado que viveu todo esse tempo em São Paulo com outro nome. E que para que ela e Carlos (que foi quem lhe arrumou este outro nome) pudessem viver tranqüilos dali para frente o caso de seu sumiço teria que ser encerrado e que para isso eles contavam com a sua ajuda e entendimento da situação.

_ E para que o senhor entenda, nós vamos lhe contar toda a história. Disse Álvaro.

_ Eu devo sair? Perguntou Carmem.

_ Se ninguém se importar por mim você pode ficar. Disse Ângela.

Todos concordaram que Carmem podia ficar.

_ Você se lembra como nos conhecemos Álvaro? Falou Ângela.

_ Sim, eu me lembro.

_ Você não se importa de nós contar tudo.

Álvaro como quem sente algo lhe constranger o intimo balança a cabeça de forma negativa, mas depois de alguns instantes como quem tem a obrigação de assumir a parte que lhe cabe, começa a narrar à história.

_ Eu gostava de Ângela desde quando a vi pela primeira vez. Ela namorava Carlos, com quem tinha a intenção de casar-se, assim que ele terminasse a sua residência médica em São Paulo. Eu pedi a Camila que a convidasse para ir à festa na casa dos Galvões. Ela foi junto com Camila (minha irmã) e Clara a irmã de Carlos, foi minha irmã quem fez as apresentações. Eu era jovem, bonito e ela não podia perceber minhas intenções então começamos a conversar. Ofereci-lhe bebida e apesar dela não beber aceitou, beber comigo. Não foi preciso muito álcool para que ela ficasse tonta e então eu me ofereci para levá-la em casa. A principio ela não gostou da idéia, mas ao ver Camila e Clara namorando ela resolveu aceitar. Eu a levei para o meu apartamento e...

As emoções daquelas revelações comoviam a todos, menos o delegado Magalhães, que começava a achar que aquele homem não era tão bom assim.

_ Continue! Disse Carlos cerrando os pulsos.

_ Eu dormi com ela.

_ Como pode! Esbravejou Carlos.

_ Carlos, por favor, escute tudo! Pediu Ângela.

_ Meu Deus! Ainda tem mais? Indaga Magalhães.

_ Sim. E essa parte quem vai contar sou eu. Disse Ângela decidida.

Parou por um minuto, olhou para Álvaro, depois olhou Carlos que parecia explodir de ódio. E começou:

_ Ao amanhecer me vi diante daquela situação constrangedora, nua, com um buquê de flores e um bilhete de amor de um homem que eu mal conhecia, senti-me envergonhada e foi então que me lembrei de você. E levantando os olhos mirrou Carlos, que chorava copiosamente.

Ângela queria abraçar Carlos, mas pela primeira vez sentiu de novo o medo daquele momento o mesmo medo que sentiu quando não teve como lhe contar. Fez uma pausa e continuou.

_ Sentia toda a extensão de minha responsabilidade diante do que aconteceu. Passei alguns dias evitando Carlos, sem coragem para lhe dizer o que havia acontecido. Álvaro estava todos os dias no meu caminho com flores, com doces, com gentilezas, com pedidos de perdão, e eu cada vez me sentia mais responsável. E com isso, eu ficava cada vez mais longe de Carlos. Finalmente tomei coragem e marquei de nos vermos no sábado, eu sabia que ia ser difícil, mas eu esperava que ele me perdoasse. Na quinta-feira, eu tive um desmaio e fui conduzida ao hospital e o médico me disse que eu estava grávida e para confirmar ele pediu os exames. Naquele momento eu soube que não daria mais para voltar atrás. Sua tia Maria tinha tido um sonho comigo e foi me ver, então lá no hospital eu lhe contei tudo e ela me disse que era preciso assumir as responsabilidades dos meus atos e eu não tive forças para mudar essa verdade, então tomei a decisão sozinha, eu iria ter meu bebê e não era seu dever (Carlos) assumi-lo comigo, eu decidi por nós dois.

Ângela levantou o olhar e sentindo como se o seu coração fosse explodir sussurrou: _ Me perdoe!

Carlos ouvia a tudo meio tonto, sem saber direito o que sentir, era um misto de raiva e pena.

_Tudo ocorreu no maior sigilo e tudo isso só foi possível porque você estava muito apurado, se não você já teria ido lá me ver mesmo assim você ligava todos os dias e eu nunca estava lá para te atender o que era uma grande mentira, eu emagreci a olhos vistos, minha tristeza era visível em qualquer lugar. Meus pais depois de serem informados por mim da minha atual condição. Ficaram felizes da vida e ainda posso ouvir minha mãe dizer: “que mesmo naquelas condições seria um prazer ter Carlos como genro” foi então que eu disse que não era seu e vi a decepção e a vergonha cobrirem a face dos dois.

_ Como não é dele? Bradou meu pai tão alto que um médico veio correndo ver o que estava acontecendo e assim eu lhes contei o resto da história e eles chamaram Álvaro e ele veio e de pronto assumiu todas as responsabilidades e garantiu que seria o melhor genro e esposo da face da Terra. No sábado eu fui e terminei tudo com você. E olhando para Carlos, que chorava silenciosamente.

Depois de uma pausa, ela continuou.

_ Meu coração ficou despedaçado, minha dor só não era maior, porque um ser inocente e lindo iria nascer, era minha filha Ana, que você conheceu e amou.

Carlos naquele momento pensou que se ele tivesse sido mais atrevido, quem sabe aquela menina poderia ser sua filha.

_ Dois dias depois eu compreenderia toda a extensão de minhas atitudes. Quando fui informada da morte de Clara e que você estava hospitalizado fiquei quase doida. Fui ao velório e quando dona Lourdes me viu, veio ao meu encontro me abraçou e sentiu as minhas lágrimas se juntarem as suas e então ela me chamou em particular para conversarmos. Carlos, você nunca se perguntou por que sua mãe jamais falava mal de mim? Você nunca teve curiosidade? Quando nós nos encontramos a sós eu lhe relatei toda a minha história à decisão que tive que tomar. E assim ela pode entender as razões que me levaram a tomar aquela atitude como também me perdoar por sua perda. Ela me desejou sorte e me pediu para que eu a acompanhasse na visita ao hospital.

_ Mas não fora sua culpa! Disse o delegado.

_ Foi sim, não existe nada que façamos, que esteja isolado no contexto do universo, todos nós somos como gotas que regam a Terra, se nos negarmos a fazer a parte que nos cabe, isso vai virar um deserto. Quando eu escolhi beber; sair em companhia de um estranho; ao chegar em seu apartamento eu não busquei ir embora como seria o certo e o mais grave para mim foi que em nenhum momento eu disse: não!

Ângela fez uma pausa e chorou. Ela olhava Carlos que estava de cabeça baixa e com o rosto entre as mãos, Carmem também chorava e Álvaro era a própria expressão da vergonha. Suspirou profundamente e continuou.

_ Naquele dia eu e dona Lourdes fomos visitar Carlos na UTI, quando lá cheguei os médicos nos informaram que seu estado era grave e que talvez não sobrevivesse. Ao entrar no quarto só tinha um pedido para fazer a Deus que Ele não permitisse que você morresse, pois não suportaria viver no mundo sem você. Aproximei-me de você, beijei-o e nesse momento percebi que daí a alguns dias jamais poderia estar novamente ao seu lado, era como se estivesse ficando viúva e lágrimas correram de meu rosto para o seu e você como que por mágica balbuciou o meu nome... (As lágrimas e a emoção interromperam mais uma vez a narrativa).

_ Não chore! Disse Carmem.

_ Tudo bem. Balbuciou Ângela.

_ Talvez fosse melhor continuar amanhã...

_ Não! Interrompeu o delegado Magalhães.

_ Tanta emoção pode fazer mal pra ela. Disse Carmem.

_ Não! Obrigada, mas eu prefiro acabar com isso hoje. Falou Ângela decidida.

_ Ok! Então vamos continuar? Perguntou Magalhães ansioso.

_ Eu me retirei do quarto e tive que ser amparada por sua mãe porque desmaiei, afinal de contas era emoção demais para uma pessoa no meu estado. Depois daquele dia ele reagiu e acabou ficando bem. Logo me casei e como meu esposo preferia que eu estive cuidando do lar, eu concordei e achei que isso era o melhor a fazer.

_ Eu só fiz esse pedido para não te perder. Eu achava que mesmo casada comigo, ainda poderia ceder ao seu grande amor. E eu estava certo! Disse Álvaro.

_ Ela não faria isso! Você não a conhecia tão bem assim como imaginava. Falou Carlos já mais refeito das emoções.

_ Então me diga como ela foi viver com você? Indagou o delegado.

_ Eu ao contrario de Ângela sempre busquei estar perto dela, instalei o hospital aqui e sempre que tinha oportunidade de vê-la eu a via, porém sempre de longe, pois temia que ela me repelisse por alguma razão. E quando te vi entrar no hospital naquele dia eu só pensei que Deus podia ter me dado uma nova chance de ser feliz, de te amar... lágrimas rolaram quentes e volumosas embargando assim o que Carlos iria dizer.

Ângela chorava e tentando ficar de pé no que foi apoiada pelo delegado e se aproximando de Carlos abraçou-o e ele correspondeu ao seu abraço. Seu coração parecia querer explodir tamanha era a emoção que lhe ia à alma.

_Eu te amo! Sussurrava Ângela ao ouvido de Carlos.

Essa confissão lhe felicitava e acalmava o seu coração. Permaneceram abraçados sem que ninguém dos presentes tivesse coragem para interrompê-los por alguns minutos.

_ Mas afinal de contas por que a senhora foi parar no hospital e o que aconteceu depois disso? Indagou o delegado querendo entender a história.

_ Uma vez casada com Álvaro eu procurei honrá-lo, porém eu acredito hoje que busquei puni-lo por tudo que nos aconteceu com um ciúme doentio que eu tinha por ele. Sempre tínhamos discussões desgastantes por causa do ciúme, numa noite, porém ele retornou ao nosso lar totalmente embriagado e com cheiro de mulher, acho que naquele dia eu descobri que gostava mais dele do que eu queria. Só que o amor que eu sentia não era amor de verdade, era medo de ver exposto os meus reais sentimentos. Fiquei um bom tempo ressentida com ele, porque eu havia largado tudo por ele, não entendia ainda o quanto eu era responsável por tudo isso. Depois de algum tempo fizemos as pazes e fui visitá-lo na firma como sempre eu não entrei e foi assim que eu o flagrei beijando a secretária. Acho que aquilo desencadeou a amnésia.

_ Amnésia?! Espantou-se o delegado.

_ Sim! Foi graças à amnésia que eu a levei embora para São Paulo. Disse Carlos.

_ Como? Interessou-se Carmem.

_ Quando ela entrou no hospital aquele dia ela estava chorando e ao conversamos percebi que ela não estava bem, examinada por outro médico, ele constatou a amnésia e foi assim que eu vendi tudo que eu tinha e a levei embora daqui e lhe dei um novo nome e a fiz minha mulher. Ao retornarmos aqui para visitar amigos o destino nos surpreendeu com um acerto de contas inesperado para o momento.

_ Por que o senhor não a levou de volta para casa já que o senhor sabia onde ela morava? Perguntou o delegado a Carlos.

_ Eu poderia dar lhe mil motivos, eu não sabia o que tinha acontecido lá, o trauma dela poderia estar relacionado ao marido e se ele a maltratasse, mas a verdade é que eu só a levei embora porque eu a amava, eu sempre a amei, e acho que sempre vou... (ele olhou para ela e prosseguiu) amá-la.

Ângela exultou de felicidade ele a amava e mesmo depois de tudo o que ela lhe contou, ele a amava e isso era tudo que importava.

_ Agora precisamos que você encerre o caso para que todos nós possamos seguir nossas vidas em paz. Disse Álvaro.

_ O que você vai fazer meu irmão?

_ Não sei! Eu vou ver tudo isso direito e depois eu venho avisar. Vocês sabem que posso indiciar a todos?

_ Magalhães, por favor! Pediu Carmem.

_ Eu preciso ver. Falou ele determinado. Vamos embora? Amanhã Conversaremos.

Assim Carmem e Magalhães saíram do quarto e logo ficou só Carlos e Ângela, mas depois de alguns minutos o médico solicitou que ele saísse para que ela fosse medicada e pudesse finalmente descansar.