A NARRATIVA DO ANJO
A NARRATIVA DO ANJO
"Eu estava lá. Vi acontecer. Estou aqui agora. Vejo acontecer outra vez a mesma cultura de comportamento libidinal semelhante àquela de há três mil e setecentos anos. Não havia como salvar a cidade de Sodoma da destruição iminente. Ninguém poderia fazer seus habitantes mudar o paradigma destrutivo. Não tinham ouvidos para ouvir. Seus olhos viam a mútua degradação e compartilhavam, obstinados, as perversões de uma sociedade maníaca".
"Não havia ninguém para contestar os usos e abusos da luxúria malsã. A família de Ló era o desvio da conduta padrão. A prática da sodomia por todos era aceita com unanimidade. A mentalidade de uma demência comum: 70 mil pessoas habitantes de Sodoma no vale de Sidim. A proximidade do mar Morto prenunciava a morte daquelas cidades vizinhas. A região toda contaminada pelo vírus da insanidade emocional vulgar sexualizada".
"Todos se julgavam donos de si mesmos e de seus corpos corrompidos. Não havia quem pudesse chamar-lhes a atenção para a derrocada iminente da sociedade sodomita em franca decomposição. Não havia valores a preservar. Seus deuses eram comemorados em rituais de exercício livre de sexualidade irresponsável. Tenho em mim a memória de milhares de mortos em situações semelhantes".
"Ao me aproximar de Sodoma vi de longe a figura de Ló. Ele estava à espera de minha chegada. Seu pai, Harã, havia falecido aos 205 anos. Ele havia saído de Ur onde Harã havia morrido após se despedir de Abraão que havia sido chamado por Javé (Iahveh) à Canaã (Israel). Abraão permaneceu em Canaã e Ló dirigiu-se à Sodoma. Quantas centenas de vezes presenciei essa mesma história. Repetindo-se, recomeçando, refazendo-se".
"Ao aproximar-me da porta principal da cidade senti a emanação da energia coletiva combalida e sepulcral transmitida pela coletividade da cidade sodomita. A imensidão do vale de Sidim envolvia-me de uma descomunal desolação por saber antecipadamente o que em breve aconteceria com seus habitantes".
"Ló, temente ao Deus Et de Abraão, curvou-se respeitosamente diante de minha presença mesmo muito antes de eu haver chegado em sua proximidade. Perguntei-me por que ele habitava na cidade por ser destruída. Não havia mérito nenhum em serem eles, os sodomitas, donos de uma liberdade que os conduzia, céleres, ao fundo do poço de uma entropia de átomos, íons e moléculas que se dispersavam na aleatoriedade da mente coletiva em processo de grande desordem física e emocional".
"Talvez Ló estivesse apenas cumprindo ordens a serviço de Yahweh. Sendo ele apenas uma peça no xadrez do Deus Et que colonizava esse povo dentre os demais povos dessa Terra. A desordem reina nessas paragens sem que haja um único habitante que possa salvar-se da programação DNA em desequilíbrio com certa energia astral. Essa cupidez penetrava profusamente seus corações e mentes pelo portal aberto de conjurações astrais tenebrosas".
"O povo morbidamente sonâmbulo habitava o vale de Sidim apenas para servir de exemplo do comportamento que deveria ser evitado a todo custo, mas que seria retomado por povos habitantes desse planeta também no século XXI. A cultura e a civilização desse globo terrestre não seria mais do que um casulo previsível de condutas e costumes dos quais não poderiam fugir"???
"Presenciei a irreversibilidade desse processo social de entropia repetir-se em centenas de planetas em outros sistemas solares. Nada nem ninguém poderia reverter a quantidade escalar vertida e jorrada da fria espontaneidade mórbida de seus pensamentos, palavras e obras. Aproximei-me de Ló e disse":
— Abraão intercedeu por ti, por tua família, Ló, aqui estou para tirar a ti e a tua parentela desse lugar antes que uma chuva de meteoros atinja todas as cidades desse vale e as destrua completa mente.
— Apressa-te, Yahweh vai devastá-la logo. — Não temos mais muito tempo, disse o Anjo em minha companhia.
"Aceitamos com certa relutância a hospitalidade de Ló, quando o mais certo seria termos ficado à espera dele e da família fora da cidade. Pouco depois de entrarmos em sua casa, uma malta de sodomitas bateu à porta ameaçando-nos com atos a promessa de atos degenerados. Não tive outra alternativa senão cegá-los a todos. A súcia ofuscada, desprovida da visão, abandonou as proximidades temendo por maiores consequências".
— O odor pestilento desses sítios chegou aos céus, o Senhor em breve destruirá a todos. — Lot ouviu o Anjo falar e pensou: “amanheceu pela última vez o brilho solar sobre a cidade infestada desses espíritos entrados pelos portais dos malefícios. Bem faz Iahweh em destruí-la”. O pensar de Lot adentrou minha mente que em seguida apressou seus calcanhares:
— Depressa, nada mais pode ser feito por esse lugar. Não olheis para trás quando estiveres saído. Lembrei-lhes mais uma vez: “não olhem para trás quando esse lugar estiver sendo devastado por explosões de asteroides em chamas".
"Lot pediu para ser conduzido à uma povoação próxima implorando para que ela não fosse também destruída". — Nela há uma ampla caverna onde poderemos ficar, disse ele.
"Logo depois que nos distanciamos de Sodoma começamos a ouvir explosões contínuas que derrubavam com grande estrondo os sítios internos da cidade: paredes, templos, jardins, ruas e praças. Gritos desesperados de corpos sendo queimados e estilhaçados pelos impactos de dezenas de bolas de fogo que desciam céleres do alto rumo à devastação da cidade".
"A mulher de Ló, Edith, não se conteve. Parou e olhou a paisagem e a cidade sendo destruídas. A força da ira do Senhor Et Yahweh. Ela havia se petrificado numa estátua espectral de sal. A vida animal e vegetal estava sendo consumida por meteoros que as faziam virar cinzas. Suas cidadelas destruídas por toda a extensão do vale. O véu de Maya havia servido de cobertura a toda extensão da planície de Sidim. Preservadas apenas uma dúzia de cavernas próximas".