Sonâmbulo
Já fazia um certo tempo que não saia de casa e sentia-se bem assim.
A solidão, que antes lhe parecia tão assustadora, mostrava-se agora suportável, até mesmo agradável, e sentia-se verdadeiramente bem.
Não fossem aqueles pensamentos loucos que insistiam em voltar sempre, tudo estaria perfeito.
Mas, naquele momento, o que lhe preocupava era o fato de não se lembrar de uma ideia que havia tido na noite anterior. Uma ideia fantástica que lhe tinha chegado ao se dirigir até à janela para abri-la – tinha precisado disso naquela noite – e que o fez se perguntar por que não havia pensado naquilo antes.
Estava assim agora. As ideias lhe demoravam a surgir e esquecê-las era de uma facilidade impressionante.
Resolveu tentar se lembrar dos acontecimentos da noite anterior. Sabia, sim, tinha certeza de que a vontade de abrir a janela surgiu quando quis dizer boa noite a alguém. Havia quanto tempo que não fazia isso? Então, contando os passos, caminhou lentamente até ela e a abriu devagar deixando que as luzes invadissem seu quarto, sua mente, e lembrou. É isso! Tinha pensado que, talvez, ajudasse ter uma TV. Sim, claro! Uma TV ajudaria muito. Ajudaria tanto que nem seria preciso abrir as janelas para ver as pessoas quando a solidão começasse a incomodar um pouco mais. Ajudaria tanto que, quem sabe, conseguisse ficar para sempre dentro de casa. Já estava tão acostumado...
E foi naquele momento que os pensamentos loucos voltaram. Começava por se imaginar caindo de um avião. Depois, não sentia mais o corpo, ou o sentia molhado e pesado, e era a parte que mais o incomodava. Então, desesperava-se e começava a correr pela casa tentando afastar essas ideias até que, exausto, adormecia.
Ao despertar, desta vez, achou que deveria comer algo. Fazia também bastante tempo que não comia nada e estava se sentindo fraco. Mas não teve ânimo de buscar o que comer. Andava assim ultimamente. Sem ânimo para fazer nada. Ah, como uma TV ajudaria!
Começou a pensar no que o levou a afastar-se das pessoas. Elas estavam tão distantes e tristes nos últimos tempos que não valia a pena aproximar-se e tentar conversar sobre alguma coisa com elas. Sim, elas estavam muito tristes na última vez em que as viu. Depois disso, resolveu isolar-se.
Levantou e buscou algo para fazer. Já estava ficando aborrecido não ter o que fazer o tempo todo. Seria capaz de recitar cada notícia dos últimos jornais recebidos, de tanto que os havia lido. Poderia dizer, sem possibilidade de erro, em que página estava tal artigo de tal revista, caso fosse importante saber. Foi então que resolveu ver o que havia de correspondência: contas vencidas, panfletos de propaganda e uma carta endereçada a Téo. Sim, Téo... o que havia sido feito dele?
Lembrou-se da última vez em que o viu. Havia saído sem lhe dizer uma palavra, sem ao menos olhar em sua direção. E estava triste. Estaria magoado ainda? Afinal, fazia tanto tempo que haviam brigado e, depois, ele tinha admitido que Téo tinha razão. E não, seu irmão não era pessoa de guardar rancores. Viveram juntos por anos, a família era resumida aos dois e estavam acostumados a discussões.
Téo jamais voltou desde então.
Deixou os papéis de lado e contou os passos até a janela. Não sabia porque os contava e nem por que o fazia tão lentamente. Talvez porque achasse que se quisesse desistir, haveria tempo de sobra. Afinal, ver pessoas com ar tão triste poderia não ser muito interessante.
E desistiu.
Voltou até a mesa onde havia deixado os papéis e apanhou a carta endereçada ao irmão. Jamais a teria aberto em outras circunstâncias, mas estava impaciente e chateado demais para se preocupar com o que Téo pensaria sobre ter sua correspondência violada. Então, entre surpreso e divertido, começou a gargalhar, talvez até alto demais, como que aliviado de algo que o oprimia e como se toda a luz existente caísse sobre ele deixando as ideias claras e límpidas.
Sim, óbvio! Agora ele compreendia tudo.
Preparou-se para sair, não sem antes colocar um pouco de ordem na casa – notou que vinha sendo muito desorganizado ultimamente – e descobriu que estava feliz.
Apanhou o chapéu, escovou o velho sobretudo, afinal, poderia esfriar, e cantarolando, saiu batendo a porta devagar.
Sobre a mesa agora um pouco mais arrumada, a carta aberta endereçada ao seu irmão dizia: “Nossos sinceros sentimentos, Téo! Nós também o amávamos muito e sentimos tanto a falta dele quanto você...”
A solidão, que antes lhe parecia tão assustadora, mostrava-se agora suportável, até mesmo agradável, e sentia-se verdadeiramente bem.
Não fossem aqueles pensamentos loucos que insistiam em voltar sempre, tudo estaria perfeito.
Mas, naquele momento, o que lhe preocupava era o fato de não se lembrar de uma ideia que havia tido na noite anterior. Uma ideia fantástica que lhe tinha chegado ao se dirigir até à janela para abri-la – tinha precisado disso naquela noite – e que o fez se perguntar por que não havia pensado naquilo antes.
Estava assim agora. As ideias lhe demoravam a surgir e esquecê-las era de uma facilidade impressionante.
Resolveu tentar se lembrar dos acontecimentos da noite anterior. Sabia, sim, tinha certeza de que a vontade de abrir a janela surgiu quando quis dizer boa noite a alguém. Havia quanto tempo que não fazia isso? Então, contando os passos, caminhou lentamente até ela e a abriu devagar deixando que as luzes invadissem seu quarto, sua mente, e lembrou. É isso! Tinha pensado que, talvez, ajudasse ter uma TV. Sim, claro! Uma TV ajudaria muito. Ajudaria tanto que nem seria preciso abrir as janelas para ver as pessoas quando a solidão começasse a incomodar um pouco mais. Ajudaria tanto que, quem sabe, conseguisse ficar para sempre dentro de casa. Já estava tão acostumado...
E foi naquele momento que os pensamentos loucos voltaram. Começava por se imaginar caindo de um avião. Depois, não sentia mais o corpo, ou o sentia molhado e pesado, e era a parte que mais o incomodava. Então, desesperava-se e começava a correr pela casa tentando afastar essas ideias até que, exausto, adormecia.
Ao despertar, desta vez, achou que deveria comer algo. Fazia também bastante tempo que não comia nada e estava se sentindo fraco. Mas não teve ânimo de buscar o que comer. Andava assim ultimamente. Sem ânimo para fazer nada. Ah, como uma TV ajudaria!
Começou a pensar no que o levou a afastar-se das pessoas. Elas estavam tão distantes e tristes nos últimos tempos que não valia a pena aproximar-se e tentar conversar sobre alguma coisa com elas. Sim, elas estavam muito tristes na última vez em que as viu. Depois disso, resolveu isolar-se.
Levantou e buscou algo para fazer. Já estava ficando aborrecido não ter o que fazer o tempo todo. Seria capaz de recitar cada notícia dos últimos jornais recebidos, de tanto que os havia lido. Poderia dizer, sem possibilidade de erro, em que página estava tal artigo de tal revista, caso fosse importante saber. Foi então que resolveu ver o que havia de correspondência: contas vencidas, panfletos de propaganda e uma carta endereçada a Téo. Sim, Téo... o que havia sido feito dele?
Lembrou-se da última vez em que o viu. Havia saído sem lhe dizer uma palavra, sem ao menos olhar em sua direção. E estava triste. Estaria magoado ainda? Afinal, fazia tanto tempo que haviam brigado e, depois, ele tinha admitido que Téo tinha razão. E não, seu irmão não era pessoa de guardar rancores. Viveram juntos por anos, a família era resumida aos dois e estavam acostumados a discussões.
Téo jamais voltou desde então.
Deixou os papéis de lado e contou os passos até a janela. Não sabia porque os contava e nem por que o fazia tão lentamente. Talvez porque achasse que se quisesse desistir, haveria tempo de sobra. Afinal, ver pessoas com ar tão triste poderia não ser muito interessante.
E desistiu.
Voltou até a mesa onde havia deixado os papéis e apanhou a carta endereçada ao irmão. Jamais a teria aberto em outras circunstâncias, mas estava impaciente e chateado demais para se preocupar com o que Téo pensaria sobre ter sua correspondência violada. Então, entre surpreso e divertido, começou a gargalhar, talvez até alto demais, como que aliviado de algo que o oprimia e como se toda a luz existente caísse sobre ele deixando as ideias claras e límpidas.
Sim, óbvio! Agora ele compreendia tudo.
Preparou-se para sair, não sem antes colocar um pouco de ordem na casa – notou que vinha sendo muito desorganizado ultimamente – e descobriu que estava feliz.
Apanhou o chapéu, escovou o velho sobretudo, afinal, poderia esfriar, e cantarolando, saiu batendo a porta devagar.
Sobre a mesa agora um pouco mais arrumada, a carta aberta endereçada ao seu irmão dizia: “Nossos sinceros sentimentos, Téo! Nós também o amávamos muito e sentimos tanto a falta dele quanto você...”