O Dia do Goleiro

Na região do Prata, dizem que o dia do goleiro é o dia que nunca chega, o dia que não existe, pois esta função, a de evitar gols, é a mais terrível posição no campo.

Bom, hoje lhes conto sobre este dia, que sim aconteceu no dia dezenove de junho de mil novecentos e dezenove.

Seus olhos ternos e bondosos se umedeciam quando via a sua frente os dez homens com camisas amarelas e negras. Um gorro cobria-lhe os cabelos castanhos, tinha o rosto anguloso, o nariz grande e delgado seguia o queixo também proeminente, uma marca de valentia e caráter, indispensável para exercer a função que se propunha no campo. O chamavam de O Poeta, pois ainda que tivesse corpo de gigante, com braços descomunalmente musculosos, agarrava a bola com delicadeza, da mesma maneira que os poetas seguram a pena para escrever doces versos.

O Goleiro, senhores, que nunca havia sofrido um gol de Scarone, foi convocado para defender a celeste no sul-americano, que seria disputado no Brasil. Mas, ainda que O Poeta tivesse toda a valentia, esta não lhe alcançou para despedir-se de seus pais, pois uma viagem tão longo a capital do país Nortenho, era naquele tempo uma perigosa aventura, e sua mãe não reagiria bem ao ver seu filho de apenas vinte e três anos viajar para tão longe. O mais distante que o muchachito havia viajado até então, era para a outra costa do Prata.

Quando chegou ao Rio de Janeiro, decidiu enviar um cartão-postal a sua família, onde escrevera cuidadosamente o nome de todos os seus irmãos, que logo, assim como milhares de orientais, iriam ler nos diários sobre as batalhas que disputaria em solo brasileiro, onde O Poeta se destacava no quadro uruguaio, conquistando a admiração dos fanáticos brasileiros. Não é difícil supor, que até mesmo o grande Saporiti estava contente por ver no arco que tanto defendera, um sucessor de tão grande qualidade e espírito esportivo.

Mas nas Laranjeiras, o destino do goleiro mudaria para sempre, naquele macth deixaria as crônicas esportivas, estas amareladas que ninguém lê, para entrar no mítico Olimpo dos deuses, pois se O Poeta nascera um simples mortal, tornar-se-ia um deus por sua ação em vida. Naquele macth, uma difícil partida contra o Chile, o jogador transandino, Fuentes, deu um chute forte e rasteiro, e O Poeta se tirou violentamente contra o solo, e com a mão esquerda pôde interceder de maneira fantástica, evitando o gol rival. Os torcedores que lotavam o estádio das Laranjeiras aplaudiram com entusiasmo, mas logo os aplausos deram lugar a um silêncio atroz. O Goleiro, O Poeta, o Herói Oriental não se levantava, permaneceu por longos minutos tirado sobre a grama, como si alguma força misteriosa o mantivesse grudado ao chão. Pouco a pouco, em um estado quase inconsciente, retiraram-no do estádio, levaram-no primeiro ao hotel onde estava a delegação uruguaia, depois, ao hospital, onde descobriu-se que o goleiro tinha rompido uma hérnia. Poucas horas depois da partida, o goleiro havia falecido.

As seleções brasileira e argentina decidiram realizar uma partida em homenagem ao goleiro uruguaio. O ganhador da partida receberia um troféu de prata com o nome Do Poeta. Os brasileiros jogaram com as camisetas amarelas e negras de seu amado Peñarol, os argentinos com a celeste. Essas eram as duas únicas camisas que o goleiro havia vestido em sua breve carreira. O placar da partida eu não sei, ninguém se importou em saber. O único que importava era a honra que se dedicava a alguien que había dejado su vida por los colores. Esta foi a Copa Roberto Chery.

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Esteban Donato Ardanuy
Enviado por Esteban Donato Ardanuy em 12/07/2019
Reeditado em 15/10/2019
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