Maldita Palavra

Maldita Palavra

Laboratorial. Laboratorial? Não, não era essa a palavra. Era uma palavra muito forte. A língua lhe enroscava e ele não conseguia pronunciá-la bem. Célio passou a mão pela testa, tentando enxugar um pouco do suor que lhe tomava todo o rosto. Quis tirar o papel do bolso, para poder lê-lo novamente. Aquela horrível palavra.

Deu alguns passos apoiando-se na bengala, pegou o cigarro que mantinha preso atrás da orelha ensebada. Pensou que seria melhor fumar sentado. Caminhou mais alguns metros, disputando cada centímetro da calçada com outros pedestres e os muitos vendedores ambulantes, até deixar seu corpo cair sobre uma cadeira de plástico, em frente a um bar ainda vazio.

O cheiro de milho cozido misturado com o do churrasquinho que recém começava a queimar juntou-se a fumaça negra que saía furiosa dos escapamentos de ônibus e caminhões. Tragou profundamente o cigarro, deixou a cabeça cair levemente para o lado esquerdo.

Célio era um homem de temperamento ameno, nunca havia se prestado a escolher um amigo, todo o seu ciclo era determinado ou pelo sangue ou pelos companheiros que ia encontrando na metalúrgica, e talvez por isso se sentisse tão solitário. A coluna já não lhe doía ha dias, tentou se levantar, apoiou-se na bengala, mas logo desistiu e voltou a sentar-se.

Laboratorial? Seria essa palavra? Não, era seguramente uma palavra muito pior. Por fim meteu a mão no bolso e tirou o papel amassado, onde se podia ler:

Célio M. Oliveira. – Incapaz de exercer atividades laborais.

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Esteban Donato Ardanuy
Enviado por Esteban Donato Ardanuy em 11/07/2019
Reeditado em 15/10/2019
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