Vida e Morte do Encantador de Serpentes

Foram três dias e três noites de muita festa. Veio gente de Belém do Pará e de São Paulo. A maioria trazia galinhas ainda vivas, que logo eram degoladas e penduradas em um varal. O mórbido espetáculo das aves ensanguentadas entretinha os convidados, enquanto estes comiam enormes porções de carne de bode assada com pequi e bebiam aguardente. Foi tanta fartura e alegria que por muitos anos todos em Tuntum se lembrariam daquele evento, o velório do Encantador de Serpentes. O próprio morto estaria orgulhoso da festança, pois ele mesmo era dado aos prazeres do mundo. Gostava de cachaça, cantoria, futebol e principalmente de suas amadas serpentes. Era comum vê-lo caminhando sem camisa, com o corpo coberto pelas muitas cicatrizes provocadas pelas picadas de suas amigas, carregando nos braços de músculos deformados, uma enorme jararaca, uma cobra coral. Os adultos mantinham certa distância, mas as crianças não hesitavam em se aproximar do Encantador. Veja esta, que beleza – dizia o Encantador, que com sua didática simples e despretensiosa, ensinava para quem quisesse ouvir, que as cobras na verdade eram as melhores amigas do homem, que isso de Maçã, Eva e Adão era mentira de Padre, coisa de gente atrasada.

Mas um dia, um sucesso encheu a vida do Encantador de Serpentes de tristeza. Para escapar do calor, o finado procurou a sombra de um cajueiro, e caiu no sono. Quando acordou, tinha uma sucuri enrolada por todo o corpo, quase já lhe estraçalhando os ossos. A única solução foi fazer uso do canivete que levava sempre no bolso, e rasgou a cobra de cima a baixo. Desconsolado, levou a bichinha morta para o Padre, exigiu enterro cristão e missa, e nisso o religioso viu grande oportunidade de desforra. Não permitiu nem enterro nem missa. O que eu, particularmente, concordo. Funeral, enterro, buraco no cemitério é coisa para gente e não para bicho.

O caso é que o Encantador de Serpentes nunca se recuperou daquela tragédia, passava os dias, sentado debaixo daquele mesmo cajueiro, com cara de louco, segurando o canivete e bebendo aguardente. Uma noite, depois de muito beber, decidiu que ia dar uma volta de canoa, e apesar de seu estado ébrio, ninguém o impediu, pois o Encantador, ainda na juventude, havia devorado uma pijuba e adquirido as habilidades aquáticas do peixinho. Por isso muita gente acredita, mas não têm coragem de dizer, que a morte do Encantador foi suicídio. A canoa desapareceu para sempre, o Encantador só foi encontrado depois de três dias por Celinho, filho de dona Maria. O menino tinha ido brincar no rio, e tomou um tremendo susto quando viu o Encantador. Parecia um monstro, a pele verde musguenta, a língua toda para fora, os olhos esbugalhados, um cipó enrolado por todo o corpo.

estebandonatoardanuy.blogspot.com

Esteban Donato Ardanuy
Enviado por Esteban Donato Ardanuy em 10/07/2019
Reeditado em 16/11/2019
Código do texto: T6692724
Classificação de conteúdo: seguro