Protesto pacífico

Quando já estávamos na metade do trajeto e faltavam menos de 10 minutos para chegarmos à sede da companhia, no centro da cidade, o GPS do táxi emitiu um alerta de que estava recalculando a rota.

- O que houve? - Indaguei ao motorista. - Não podemos sair da pista expressa agora!

- Retenção à frente - informou ele, apontando a tela do GPS. - Se eu não desviar, vamos ficar presos no engarrafamento.

- Mas que diabos! - Praguejei. - Como pode haver retenção numa pista expressa?

Descobrimos instantes depois: um grupo de cerca de vinte pessoas com coletes amarelos de segurança, havia se sentado na pista, impedindo a passagem dos veículos.

- São os Coletes Amarelos - anunciou desnecessariamente o motorista.

- Não podemos voltar? - Perguntei, olhando para trás. Mas a manobra seria bastante improvável, visto que os outros automóveis à nossa volta também estavam reduzindo a velocidade.

- Nem voltar nem passar por cima da mureta central - avisou o taxista. - Mas, vamos ter calma. A polícia já deve estar chegando para resolver a situação.

A polícia, doze homens em meia dúzia de motocicletas, não demorou muito, é verdade. Alertaram os manifestantes por megafones de que estavam infringindo a lei, e que seriam presos caso não desocupassem a pista. Um rapaz de cabeça raspada, ergueu a cabeça para encarar o policial mais próximo, e alertou:

- Recomendo não se aproximar muito. Estamos usando cinturões incendiários, e pretendemos fazer uso deles se entendermos que nossa integridade física poderá ser atingida.

- Vocês vão atear fogo no corpo se tentarmos prendê-los? - Indagou o policial, mãos nas cadeiras.

- Você entendeu o recado - replicou o rapaz, baixando a cabeça novamente como se estivesse rezando.

Os policiais fizeram um círculo para confabular, em voz baixa. Virei-me para o motorista.

- Acha mesmo que essa ameaça é para valer?

O homem me deu um olhar cansado.

- O senhor não é da região, não é? Aqui, ninguém que vista um Colete Amarelo faz esse tipo de declaração se não pretender levá-la às últimas consequências. Um Colete Amarelo não blefa.

- Mas não podem continuar bloqueando a passagem desse jeito! - Exclamei.

- Não podem, mas estão - filosofou ele. - É uma boa maneira de chamar a atenção.

- Para o quê?!

- O aumento da tarifa de energia elétrica.

Ergui os sobrolhos.

- Vão se matar se a tarifa não baixar? Essa meia dúzia de gatos pingados acha que vai ter sucesso?

- O senhor não entendeu - explicou pacientemente o motorista. - Este é um protesto nacional e descentralizado. Pode acontecer a qualquer hora, em qualquer lugar. Em algum momento, o governo terá que ceder.

Cruzei os braços.

- A polícia vai ficar ali, conversando, sem fazer nada?

- Às vezes o protesto acaba espontaneamente... vamos aguardar.

Subitamente, o rapaz careca sacou o celular de um bolso e levou-o ao ouvido. Ouviu durante alguns instantes, e finalmente ergueu-se, devagar. Os demais o imitaram.

- O ministro informou que vai cancelar o reajuste - informou em voz alta. E, para a polícia:

- Três dos nossos defecaram em frente à casa do ministro.

Os policiais abanaram as cabeças cobertas por capacetes, em desaprovação.

- Saiam daqui antes que os levemos presos - ameaçou um deles.

- Vocês não se atreveriam - retrucou secamente o rapaz.

Em organizada fila indiana, os manifestantes saíram da pista expressa e dispersaram-se pelo acostamento. Em seguida, a polícia liberou a circulação do tráfego.

Acabei chegando a tempo ao meu compromisso.

- [09-07-2019]