Cena Um
Na noite daquele dia quem apareceu lá foi nosso amigo Tagas. Ele e seu jeito estúpido de locar películas, justamente na hora em que morcegávamos assistindo filmes do nosso gosto (não sei onde que disseram pra ele que gostávamos do seu gênero favorito)! Bebericávamos o suco de molho de tomate misturado ao Vodka, pimentas, limão e café. As flores ardiam ao forno, crépitos melodiados entre os odores já invadia a sala — em um Tântalo reverso, sabíamos que suspirávamos o melhor daquelas que, em olências inaudíveis bramiam dentro do suplício; todavia elas, naturais doadoras da beleza, forneciam suas vidas enquanto, nesse eterno divertir, ignorávamos a sutileza densa de clamores naturais — que parecia um rubi interno.
De fato.
Tagas sempre trazia os filmes mais horríveis que nós pudéssemos imaginar. Eram estórias de terror à sua preferência, creio que à sua personalidade — se bem me lembro, nos disseram muito tempo depois, diante das portas que se assemelhavam a jaspe — que o gosto por algo revela muito a sua personalidade.
Era sempre algo parecido com pessoas mutilando umas às outras ou devorando-se, algo que alguém tinha concebido em um estado de surto psicótico envolvido por narcóticos.
Pernas decepadas, pernas serradas a motosserras, cabeças carcomidas apodrecendo em antigas florestas isoladas ou em doentes casarões abandonados; cabeças cortadas ao meio a machadadas; fanáticos arrancando as tripas uma a uma frente a pessoas assistindo; cenas de miseráveis se trucidando a disputar um vômito exposto ao chão (elas devoravam avidamente o vômito na terra); pessoas caindo em fossas cheias de bostas, jostas jorrando no interior de esgotos, ratos podres, pássaros apodrecendo, natureza turva, terras queimadas, rios poluídos em dejetos humanos e, é claro, a imagem de pneus velhos boiando.
Então na noite daquele dia, lá estava ele ali a nossa frente a sorrir franca e amplamente, mostrando seus dentes brancos pontiagudos refulgia à mente imagens de tubarões do cinema moderno; em riso estridente, aparentando ar zombeteiro, como se quisesse aplausos por contar alguma espécie de anedota vulgar.
Segurava uma sacola bem grande cheia de fitas VHS.
Entrou cumprimentando a todos apertando fortemente a mão de cada um com sua mão enorme de dedos pontiagudos e unhas brancas cor de neve cuidadosamente aparadas e cautelosamente zelada por uma manicure talentosa — nossa mão minúscula era engolida pela sua; em terror de quem está ansioso por respirar ar puro, cada mão gemia ao aperto numa tentativa de se fazer ouvir um pedido de socorro — entrou imediatamente e, como sempre, fez a apresentação verbal dos filmes que ele achava sempre não se sabe aonde. Nos mostrava primeiro a capa das fitas; já se notava os tons escuros, a marca de lodo viscoso em cada capa. Pelo jeito iríamos aquilatar mais um dos seus diamantes negros do suspense e terror.
Imediatamente minha amiga se levantou e se dirigiu até a cozinha; de repente, sentimos o cheiro e um som de pipocas estalando.
Logo veio a minha amiga com uma única bacia cheia de pipocas gigantescas. Pulularam de dentro da bacia em direção a bocarra de Tagas. Pegou uma com os dedos finos e enormes, exclamou:
— Hummm..... adoro pipocas, hmmm adoro pipocas, hmmm
E continuou comendo como se fosse a última vez que comesse pipocas.
☺