GENÉTICA DELETADA 

Linhagem de doutores, médicos avessos ao juramento feito na formatura, o peso maior era o do vil metal. Oscar e Melina pais de Raphael, Marcelo e a caçula a Helenita, a única que ainda estava fazendo residência em Medicina, eram donos de um grande hospital. Para ficar bem diante da sociedade, em Clínica Médica apenas, atendiam alguns pacientes mais graves oriundos do SUS - Sistema Único de Saúde. Como era a área que Helenita pretendia seguir, ela praticava nestes pacientes. O sucesso da família se devia às fortunas recebidas por atendimentos secretos, fichados como abortos espontâneos, doses indevidas de medicamentos, tipo um para dormir outro para acordar, pessoas feridas em 'tombos de escadas' etc...muito dinheiro rolando em fabulosas negociações para esconder grandes merdas feitas por milionários, esposas, filhos, amantes e seguranças, só Helenita a 'Doutorinha Doce Dos Pobres' desconhecia estes ardis vultuosos, Salvar vidas, cuidar com carinho das pessoas, verdadeiramente dedicar-se ao outro, era sua vocação.

Praticamente comprava remédios e curativos do próprio bolso para os mais necessitados, sua família era muito rica e suas contas e cartões estavam sempre abastecidos, sua família nunca lhe pediu nenhuma comprovação ou lhe questionavam sobre  como gastava o dinheiro, até pedir para transferir para o CTI da área particular, um paciente do SUS, um rapaz com ferimento sério no abdomen que exigia cuidados mais específicos e recebeu de seu irmão Marcelo uma gélida, seca e direta resposta, NÃO! Que morra ou transfira para um hospital público e morra por lá.

Neste momento algo se remexeu dentro de Helenita ferozmente...a DÚVIDA. Sondou enfermeiras, técnicos, alguns residentes, até mesmo auxiliares menores e pessoal da limpeza. Queria saber se algum paciente já havia migrado alguma vez, do espaço selecionado para o SUS para o particular. O que conseguiu apurar e descobrir lhe causou tanto asco e revolta, que teve uma pequena vertigem e se sentou numa poltrona do salão principal.

Neste instante teve uma visão estranha com luzes brilhantes azuladas, como pessoas voando em corpos de luz, abrindo todas as portas do hospital. Também em frente aos olhos, um passar acelerado de slides com sons e imagens, com muitas coisas de sua família que mesmo  transitando perto deles, tão focada e entregue ao seu trabalho, na realidade nunca havia prestado atenção, mas, seu HD mental armazenou e veio tudo junto e doeu  forte a descoberta da origem pérfida do sucesso de sua família.

Uma Helenita, forte, determinada e até maquiavélica levantou do sofá, convocou quase toda a sua equipe para uma reunião três horas depois, solicitando sigilo absoluto. Deu vários telefonemas para médicos de outros lugares, amigos de faculdade. Passou um zap também para um amigo  que  iria ser imprescindível, no plano que surgiu em sua mente completo, ela nem se reconhecia ou melhor, sentia que era poderosa e capaz de coisas que nunca imaginou poder maquinar.

A reunião sigilosa aconteceu no horário marcado, o resto do dia no hospital foi dentro da rotina...só um pouco mais silenciosa.

Toda manhã a velha Esther servia o segundo café do dia, já no hospital, para a família de Helenita, pais e irmãos, todos gostavam de café forte e amargo.  

Excepcionalmente naquele dia, serviu chá de hibiscos para Helenita, a família estranhou, mas, de todos na saleta anexa ao escritório da direção, Helenita não passava de uma médica simplória, sem ambições e apagadinha, pelo menos assim pensavam, nem parecia ser integrante da família, tão apagadinha aquela menina.

Num espaço de tempo de uns vinte minutos, Oscar, Melina, Raphael e Marcelo estavam em sono profundo, quase em suspensão, deitados em confortáveis camas numa das UTIs do próprio hospital, seriam estrategicamente monitoarados por dois médicos do conhecimento de Helenita, mas, que não pertenciam aquele hospital. 

Pelos autofalantes, Helenita avisou sobre a viagem repentina da família por três dias. Informando que durante este período ela seria a responsável por tudo. Deixou claro qure atenderiam um número incrivelmente maior de pessoas, por este motivo contratara um grupo de médicos para esta empreitrada.

Pediu respeito e tratamento igual para todos que chegassem para atendimento. Colocou três enfermeiras do hospital e dois médicos de sua confiança na triagem. Pontualmente às oito horas da manhã as portas foram abertas,

Uma fila quase imensurável que estava do lado de fora, foi entrando ordenadamente com a organização dos seguranças e pela amada velha Esther. Num rápido zap Helenita agradeceu o compartilhamento na internet, da notícia dos três dias especiais de atendimento, totalmente gratuito para qualquer pessoa que necessitasse, internações seriam repassadas para outros hospitais exceto as de emergência, até a lotação do hospital. 

Foram três dias alucinantes, sacrificando toda a equipe, colegas, amigos, parceiros, mas, o que mais Helenita ouviu de todos, quase sem exceção,  foi a palavra GRATIFICANTE, para ela isso não tinha preço.

Abrindo o cofre do hospital, remunerou regiamente aos guerreiros, Deixou sobre a mesa da direção uma carta para a 'família', onde explicava tudo o que ela havia feito, sem detalhes ou nomes, uma frase em letras maiúsculas, ADEUS, CORJA DE SAFADOS, SEI DAS TRAMAS DO SUCESSO DESTE LUGAR, MEU SILÊNCIO JÁ FOI BEM PAGO,, DEIXO UM ALERTA, SABEREI NOTÍCIAS DOS INTERNADOS, CUIDEM MUITO BEM DELES, GRAÇAS A DEUS SÃO APENAS SEIS, MAS, UM DOSSIÊ MARAVILHOSO E DETALHADO VAI PARA A IMPRENSA, CASO ALGO ESTRANHO VENHA A ACONTECER COM ELES.

Montou um kit médico especial no hospital, passou em casa, pegou a bagagem mínima necessária e deu um telefonema dizendo apenas...tudo certo...deixou as chaves do carro, da casa e do hospital com um dos empregados, entrou num táxi e partiu para o aeroporto

Se voluntaliara no programa Médicos sem Fronteiras, com a alma em festa, nunca mais pisaria em sua terra natal. Durante o vôo teve a impressão de ver um brilho rápido em seu coração, não deu importância. Uma luz deve ter refletido por um instante na medalhiha de São Lázaro que pendia de sua correntinha no pescoço, cansada, dormiu profundamente.

Os pilotos de um avião que passou ao largo pelo vôo de Helenita, acharam que estavam vendo 'coisas', talvez o café amargo que beberam, ainda não tivesse dissipado a ressaquinha da noite anterior. Era impossível que o avião que avistaram, estivesse inteiramente iluminado de azul, como um escudo protetor, igual aos dos filmes de ficção. Que louco isso...rsss...pediram mais um café à comissária de bordo, estavam precisando muito.
Cristina Gaspar
Enviado por Cristina Gaspar em 04/04/2019
Reeditado em 05/04/2019
Código do texto: T6615625
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