ETERNAMENTE TRISTE
Nunca na vida, delirante, havia,
provado os lábios de mulher alguma...
Era-me o mundo um triste carnaval
sem serpentina, sem paetê, sem pluma...
As minhas tardes solitárias vi
passarem sem indícios de mudanças,
e, melancólico, expulsei bem cedo
da mente, as ilusórias esperanças.
Vivia como o pobre condenado
que sabe na prisão estar seu fim:
do meu futuro – não pensava nada,
mal suportava meu presente ruim.
E na quase loucura a que cheguei
votei à morte a minha salvação,
e a minha paz acreditei que estava
no leito mórbido de um frio caixão.
Os dias que eu supunha os derradeiros
gastei-os em delírios, como os loucos,
e feito um deus, datando minha morte,
de tudo fui me despedindo aos poucos...
Tão consolado nesta ideia estava
que à nada dava um mísero valor,
e do sarcasmo utilizei-me, alegre,
para rir do meu próprio dissabor.
Mas quando quase desta Terra ia,
conformado ao terror do meu destino,
teve Deus, afinal, pena de mim,
mandando ao meu socorro um ser divino.
Com um único olhar, intenso e brando,
curou-me o anjo do mortal desejo.
E ainda não satisfeito por salvar-me,
meu sofrimento assassinou num beijo.
Ah, foram tantos dias que ao seu lado
passei em inocentes descobertas...
E conduzido por suas mãos ao céu:
todas as portas encontrei abertas!
Mas para muitas delas que se abriram
o anjo não segui, que me guiava.
Tanto tempo na dor tinha vivido
que o seu beijo macio já me bastava...
Envolvido em seus braços pressentia
momentos mais ditosos no futuro,
a paz enfim teria, que almejara
para o meu coração ingênuo e puro.
Como ama o bêbado o seu vinho tinto,
dependente fiquei desse anjo terno,
se acompanhado dele eu estivesse:
contente viveria, até no inferno!
Porém o anjo que de mim cuidava
julgou-me livre dos tormentos meus,
na Terra me esqueceu, entristecido,
e retornou feliz para o seu Deus!