ETERNAMENTE TRISTE

Nunca na vida, delirante, havia,

provado os lábios de mulher alguma...

Era-me o mundo um triste carnaval

sem serpentina, sem paetê, sem pluma...

As minhas tardes solitárias vi

passarem sem indícios de mudanças,

e, melancólico, expulsei bem cedo

da mente, as ilusórias esperanças.

Vivia como o pobre condenado

que sabe na prisão estar seu fim:

do meu futuro – não pensava nada,

mal suportava meu presente ruim.

E na quase loucura a que cheguei

votei à morte a minha salvação,

e a minha paz acreditei que estava

no leito mórbido de um frio caixão.

Os dias que eu supunha os derradeiros

gastei-os em delírios, como os loucos,

e feito um deus, datando minha morte,

de tudo fui me despedindo aos poucos...

Tão consolado nesta ideia estava

que à nada dava um mísero valor,

e do sarcasmo utilizei-me, alegre,

para rir do meu próprio dissabor.

Mas quando quase desta Terra ia,

conformado ao terror do meu destino,

teve Deus, afinal, pena de mim,

mandando ao meu socorro um ser divino.

Com um único olhar, intenso e brando,

curou-me o anjo do mortal desejo.

E ainda não satisfeito por salvar-me,

meu sofrimento assassinou num beijo.

Ah, foram tantos dias que ao seu lado

passei em inocentes descobertas...

E conduzido por suas mãos ao céu:

todas as portas encontrei abertas!

Mas para muitas delas que se abriram

o anjo não segui, que me guiava.

Tanto tempo na dor tinha vivido

que o seu beijo macio já me bastava...

Envolvido em seus braços pressentia

momentos mais ditosos no futuro,

a paz enfim teria, que almejara

para o meu coração ingênuo e puro.

Como ama o bêbado o seu vinho tinto,

dependente fiquei desse anjo terno,

se acompanhado dele eu estivesse:

contente viveria, até no inferno!

Porém o anjo que de mim cuidava

julgou-me livre dos tormentos meus,

na Terra me esqueceu, entristecido,

e retornou feliz para o seu Deus!

Alexandre Basso
Enviado por Alexandre Basso em 13/08/2014
Reeditado em 17/04/2021
Código do texto: T4920431
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