Ode do avesso do amor

Meu amor por ti foi o mais louco, intenso e profundo.

Meu desejo por ti foi o mais arrebatado, cego e desvairado.

Minha paixão por ti foi bela como as cores vibrantes do

Pôr-do-sol visto de um majestoso castelo mourisco

No alto de uma montanha.

Mas tua traição caiu sobre mim com o peso de uma

Sentença de morte, uma condenação ao degredo;

Foi o punhal de gumes fatais cravado em meu coração -

Rubra rosa desfalecida, entregue às intempéries da vida.

Quebraste o encanto. A taça de vinho transbordou e

Transformou-se num sentimento negro, maquiavélico,

Demoníaco que traz consigo a fome ancestral de

Tudo destruir, arruinar, desmoronar.

Ódio, ódio, ódio . . . Fúria demoníaca, ensandecida em

Seu desvairamento destruidor; bafejo inóspito da

Morte percorrendo teu corpo, gelando-te a alma.

Hás de sentir na pele o peso horripilante de algo

Que te transformará inevitavelmente em espectro.

Hei de ser a inutilidade de tua impotência diante da

Monotonia das horas, nas fatídicas tardes de domingo;

Hei de ser a boca do tempo devorando tua vida

Chinfrim numa voracidade enfadonha e constante

Como alimentando-se de um corpo que jaz inerte.

Hei de ser o pio mórbido da coruja - gargalhada

Assombrosa da morte com seu manto negro,

Cortando o silêncio de teu sossego noturno;

Hei de ser o assombro, o delírio, o pavor -

Cortina plúmbea caindo tenebrosa

Sobre teus pensamentos.

Hei de ser os passos sorrateiros da fera-ladina

Que te espreita com ganas de saborear teu

Desespero diante do inevitável;

Hei de ser o gozo instintivo da fera com teu corpo

Sangrando entre suas garras afiadas,

A tua passividade agonizante, o gosto agridoce

De teu sangue quente esvaindo-se em alimento -

Vida que te foge etereamente;

Hei de ser o brilho de teu olhar azul-turquesa

Que se extingue fitando a imensidão do nada.

Hei de ser a maldição lançada por uma bruxa

Que paira nefasta e sombria sobre tua

Existência ignóbil; hei de ser o desmoronamento

De teu egoísmo, o escárnio diante da

Decadência de teu corpo - colchão de terra

Onde saciei minha fome de prazer;

Hei de ser teu desespero solitário e impotente

Diante do desconhecido . . .

Hei de ser a morte sempre crescente de teu

Desejo sexual, o pouco-caso para com teu

Remorso tardio, tuas inúteis lágrimas

E teu sentimentalismo piegas;

Hei de ser o gérmen que corre em tuas

Veias, sugando a essência de tua alma -

Chama que oscila na iminência de

Sucumbir ao sabor do vento

Que sopra quase outonal.

Hei de ser o corvo a beber-te os olhos-de-mar-azul -

Ah, teus olhos . . . Tantas vezes naufraguei

Na contemplação de tê-los meus,

Tantas vezes parti em saveiros embandeirados,

Que singravam para a aurora das horas marítimas,

Tantas vezes sonhei ilhas-paraísos-distantes,

Acariciadas pelas ondas que se espraiam

Em sinfonias-primaveris . . .

Hei de ser o vôo rasante do urubu com suas

Majestosas asas negras, abertas num

Abraço-escuridão sobre tua genitália;

Hei de ser o bico-navalha-afiada

Dilacerando tuas entranhas,

O prazer absurdo de ouvir o grito

Que emerge das profundezas de teu ser

E que ecoará solitário nos montes longínquos

Onde tudo é paz e a natureza festeja

A vida em cores e sons . . .

Oliveira