Tarde de domingo

Solidão . . .

A tarde avança para o crepúsculo preguiçosamente.

Desértica tarde de domingo: monótona, calada, entediada de si.

Creio que o amor acaba numa tarde assim,

Mesclado de tédio, desespero e tristeza de sol-poente

Para além de charcos-solidão . . .

Sozinho na sala povoada dos fantasmas que outrora fomos.

Teu perfume ainda passeia montado na brisa que entra

Pela janela aberta para o mar.

Na vitrola, um blues acalanta lembranças de nosso amor.

Nosso destroçado amor.

Restaram os escombros e essa dor pungente,

Esse vazio cheio de interrogações.

Bebo. Embriago-me com absinto.

Bebo as águas passadas, os desenganos, os desencontros.

Embriago-me de mim, de ti e de nós . . .

E todas essas águas encharcam-me,

Avolumam-se dentro de mim numa volúpia desvairada

De desaguarem no mar . . .

No mar das desilusões, deságuo minhas lágrimas,

Que num turbilhão de fúria e revolta incontidas,

Levantam-se em ondas gigantescas,

Avançam rumo à praia e rebentam em sons e espumas

Numa inquietação angustiante.

Releio tuas cartas. Cartas de fingido amor.

Que tarde inútil!

O amor acaba diante do mar azul para recomeçar

Numa mesa de bar ou numa transversal do tempo;

O amor acaba e leva consigo um pedaço de quem fomos;

Quem fomos caminha em direção oposta,

Alheados de si.

Fim de tarde. Inútil tarde de domingo . . .

Inútil como meu vaguear entorpecido

Pelos mares da ilusão.

A tarde se esvai, no declinante desmoronamento

Das horas-fúnebres, tingida de vermelhidão -

Imensa cicatriz em meu peito arfante.

Minha realidade imediata é este entardecer

Ensangüentado, este blues triste

Que Billie Holiday canta, acarinhando-me a alma-partida.

Divago ébrio, entorpecido, confuso

Como o conteúdo de uma gaveta por arrumar . . .

Domingo. Que dia horrível!

Que tarde vazia, tão clara e sem fim! . . .

Funerais do amor numa cidade mourisca,

Na tristeza púrpura do ocaso . . .

Pétalas de rosas que a brisa leva para o mar . . .

Lágrimas amargas molhando as pedras seculares

Da rua tortuosa, antiga, inútil como tudo! . . .

Oliveira