Too much
O termo “piegas” me alvoroça. Também, como não me afetaria minimamente, levando em consideração a demasiada facilidade que tenho em soar "too much"? Sinto que até meu sangue corre mais quente, mais rápido, com maior fluxo, mais denso e espesso.
Tem dias que acordo tão à flor da pele que o som da vida acontecendo fora da minha janela é vibrante. Me arrepio ao tocar a superfície gelada com meus pés. Espreguiço-me como um atleta antes de correr uma maratona, e, ao coar o café, o aroma que toma a cozinha é superior a qualquer técnica calmante ou perfume europeu. Numa overdose de estímulos , sento-me a contemplar minha primeira refeição. Esse é um daqueles dias de euforia e êxtase, daqueles em que se dá bom dia para o estranho na rua, dispomos de sorrisos soltos, brincamos de sermos livres. Há uma pitada de descompromisso com a lógica e a ordem, os passos são leves, o céu é cintilante...
Sabe aquela interpretação espirituosa do cotidiano? Ah! Como amo essa versão de mim. Quando ela me acessa, sabe me fazer feliz, inteira, disposta, vibrante, corajosa. A questão é que, por vezes, ela se esconde tão eficazmente que não consigo encontrá-la.
Porém, sua presença soluciona toda minha escuridão. Ela brilha, brinca, dança, ri de si mesma, aceita. Ela fala e nunca berra. Ela compreende e nunca se revolta. Ela crê, vê beleza, dialoga, aprende.
"Espero que esteja aqui ao acordar", sussurro em um dos cantos da minha mente. "Eu nunca saio daqui, é que às vezes não lembro o caminho de volta", ela me confessa numa dessas noites.