A Morte Visita
— Com que frequência a morte lhe visita?
— Talvez, uma vez ao dia. Às vezes dorme comigo.
— E não tem medo?
— Como temê-la quando seu abraço cálido faz toda dúvida desaparecer?
— E a vida? Não teme perdê-la para a morte?
— Como perder algo que não me pertence? Aqui fui colocada contra minha vontade, aqui permaneço seguindo regras impostas por aqueles que antes vieram. Não tenho em minhas mãos rédeas verdadeiras, apenas fiapos de mentiras desgastadas.
— Veja bem, há coisas tão incríveis nessa vida, tantas possibilidades e pessoas que a amam. Como elas ficariam tristes sem você.
— Tristes? E onde estão essas pessoas tão cheias de amor? Tenho vivido solitária por todo este tempo, gritando no silêncio sem resposta. Desconheço esse tal amor que tanto admira.
— Dê-lhes outra chance, abandone este casulo e venha ver como pode ser incrível o brilho do sol.
— Eu já estive sob o brilho do sol, e senti na pele seu calor abrasador. É doloroso sair e vê-lo irradiar um pouquinho, cegando os olhos ao tentar abri-los. Então, ser novamente arremessada aos becos úmidos e sem luz. A vida é uma mentira contada mil vezes.
— Tua armadura de teias de aranha e poeira envelhecem a alma amargurada. Veja bem, aqui onde tudo acontece, se chama vida. Percebe o verde das folhas, o cheiro da chuva e o calor dos braços amados. Isto aqui se chama vida. O que tem a morte a oferecer-lhe?
— O fim.
— O fim?
— Sim, o fim de toda dor que corrói cada pequeno neurônio, cada ínfima gota de serotonina que insiste em querer metabolizar. O fim deste buraco que apareceu em meu peito no dia em que vim a este mundo e nada, nada, pode preencher.
— E você? Com que frequência a morte lhe visita?
— Ela não faz visita. Há muito tempo, a morte fez sua morada em meu ombro esquerdo, onde pode sussurrar carinhosamente ao pé do ouvido.