Saga dos Cassacos
Nos vastos sertões do Nordeste, onde o sol se derrama generoso e implacável sobre a terra ressequida, ergue-se a figura singular dos cassacos, trabalhadores braçais, almas moldadas pela dureza do solo e pela aspereza da vida. Esses homens, destituídos de vínculos, eram os alicerces anônimos de São Gonçalo, erguidos pela força das mãos calejadas e pela tenacidade do espírito indomável.
Chamavam-nos cassacos, pois, tal como o animal das matas nordestinas que carregava os filhos no ventre, assim também esses operários levavam a vida, com os filhos pequenos presos ao corpo, desafiando as distâncias e as adversidades. Em novembro, quando o calor parecia mais implacável, 220 mil operários espalhavam-se pelo semiárido, tecendo a saga do trabalho árduo e incessante.
São Gonçalo, em sua majestade nascente, deve sua existência a esses homens simples, aos quais Paulo de Brito Guerra tanto admirava. Contudo, a rotina dos cassacos era um mosaico de sofrimento e perseverança. Trabalhadores temporários, recebiam por dia laborado, sem garantia de futuro, sem promessa de segurança.
Entre eles, Zé Caíca se destacava como um símbolo de resistência. Nascido no Sítio Trapiá, acompanhou desde criança as obras do açude, onde seu pai e irmãos mais velhos vertiam suor e sonhos na construção de drenos para a salinização dos solos. Nos anos 40, ele próprio, junto a irmãos e primos, dedicou-se ao trabalho de abril de 1941 a abril de 1943, em jornadas que começavam na penumbra da madrugada e se estendiam até o anoitecer.
Os cassacos, oriundos de diversas localidades, encontravam abrigo precário na antiga casa de força, um vestígio do passado agora transformado em refúgio. Acordavam cedo, antes mesmo do primeiro raio de sol, e seguiam a pé para o Posto de Agronomia, sob a sombra das tamarineiras. Ali, Juvenal, o apontador, fazia a chamada, listando nomes de guerra, identidades moldadas pelo labor.
Durante o dia, a cabaça guardava a água que saciava a sede no calor abrasador. Às onze, o pelotão dirigia-se ao açougue de Raimundo Braga, adquirindo carne e farinha, ingredientes de um almoço simples e substancioso, cozinhado em fogões improvisados. O intervalo curto não permitia descanso, e logo voltavam ao trabalho, incessantes.
O jantar, às cinco da tarde, era servido no local de labuta. Às seis, regressavam à vila, onde proseavam por uma hora, partilhando histórias e sonhos sob a luz fraca da única lâmpada da casa de força. A energia elétrica, frágil e intermitente, se apagava às dez da noite, deixando-os à mercê da brisa noturna e do cansaço acumulado.
Em meio a essa rotina árdua, a vida continuava a se afirmar. Em 1942, uma mulher deu à luz na própria casa de força, renovando a esperança no local que antes abrigava caldeiras. O pagamento, esparso e incerto, era aguardado com ansiedade, e cada operário deixava uma gratificação para o pagador, figura não efetiva da Inspetoria, mas crucial no ciclo do trabalho.
A jornada de 44 horas semanais, incluindo o sábado até meio-dia, era interrompida apenas para a feira semanal. Farinha, feijão, arroz, rapadura, pão e café eram adquiridos a prazo, conduzidos a pé pelos operários para suas casas, onde passavam o fim de semana com a família, retornando no domingo à tarde, prontos para recomeçar na segunda-feira.
No dia 7 de setembro, eram obrigados a desfilar, exibindo as ferramentas de trabalho como insígnias de um heroísmo silencioso. Tratores, caminhões, motocicletas e escavadeiras juntavam-se à marcha, que seguia até o Instituto, onde Dr. Paulo Guerra proferia discursos inflamados, imortalizados pelas lentes de Gabriel Florêncio.
Os cassacos, com suas mãos marcadas e corações resilientes, construíram mais que estruturas de pedra e barro; edificaram a alma de São Gonçalo. Nos registros fotográficos e nas memórias vivas, suas histórias de sacrifício e coragem ressoam como um tributo eterno ao espírito indomável do sertão.