Hipoglicemia
Todo instante já me é. Cada sucessivo segundo molda-se em meu entorno.
O futuro de pequenos acontecimentos, de ações ritmadas e ínfimas aguardam-me na eterna profusão das possibilidades. É o interminável jogo às cegas do caos do universo infindável.
Todavia, há um aviso vital. O mesmo que parece imperar-se através dos tempos, um eco fixo de outra época, a voz grave que mescla e paira sobreposta nas frequências do silêncio:
- Seja rápido, acorde antes do fim! Entre a dilatação do espaço-tempo, visão enevoada, tremores e instável controle físico, tente existir para a próxima realização visceral do desejo da permanência. Exista na dimensão do aqui!
E agora há somente a prioridade e seus sinônimos. Comida, Açúcar, Energia…
- Mantenha a animação de seu invólucro por mais tempo!
Fitando águas turvas, a ansiedade da vida recria a ânsia e prolixidade de outros devaneios.
- Apesar disso, não pare! Movimente, faça, alcance, corresponda, satisfaça… seja! Que viva através da matéria, do pensamento. Só esteja no limiar constante e sempre responsável de apaziguar as necessidades físicas elementares e a fome da sapiência…
Comer, comer... comer. É o alerta contínuo da busca incessante de ectoplasma-somático, de alimento. Por sinapses amorfas e diluídas, entendo vagamente a necessidade de comida, informação, existência. Essa continuidade do corpo e movimentação sem trégua da mente. Transversais à retração oscilante da estabilidade dos sentidos e da paradoxal propagação ondulante de afirmação profunda do instinto ou consciência, surgem-se céleres conexões de letras, palavras, frases e contextos. Há uma forte sensação, quase obrigatória, de aproveitar referida dose de adrenalina, em um corpo com baixa glicemia, para escrever os excessos proveitosos e pretensiosos de reflexões, ironias e conceitos. Entretanto, nesse ínterim, o tempo escorre indiferente. Há pouca escolha para floreios artísticos e mais para a sobrevivência. E é o que importa, no limiar cambaleante da pressão e expectativa crescentes.
Novamente, a voz mística ou inconsciente, como num delírio lírico, ressurge a vibrar calmamente:
- Aquém da imaginação, após a satisfação de sua animalidade, quando a fera se fartar sob carcaças; escreva, desenhe, dê perfil a sua recriação do êxtase. Rabisque nos versos analógicos e digitais a criatividade em períodos de quase morte. Prove, além do tudo ou nada, o poder sistemático e complexo do espírito... que mesmo quase falindo, renova-se em busca de manutenção e permanência em meio as deficiências do próprio invólucro fraco, errante e físico.
Porém, não existe mais tempo para o pensar da satisfação. E meu eu, alucinando nesse desvario de estímulos, segue as ordens, quase implorando por mais ditos. O momento, frágil como véus de fumaça ante o prelúdio da ventania, se desvanece. E na digestão do ganho da futura normalidade, perco rapidamente os sentidos aguçados, na espiral lenta da absorção de calor e energia.