Ruídos notívagos
O tiquetaquear do relógio na parede parecem tiros disparados contra meu coração desesperançado, tic-tac, bang, bang, tic, bang, tac, bang, contra esse órgão teimoso, que teima em bater mesmo alvejado, insistentemente pelos segundos perdidos, segundos não amados, segundos cochilados , segundos dispensados em atividades frívolas e vãs.
De madrugada tudo soa mais alto.
Uma coruja pia na rua, é uma já conhecida,
que usa a placa de pare da esquina como poleiro, de onde vigia, com sua cabeça giratória, procurando por caça ou algum perigo, se for caça dá um rasante, captura a presa que transformará em alimento, volta para o poleiro de onde devora o ser azarado; se for perigo, geralmente gatos sorrateiros, voa para um poleiro mais alto, na cumeeira da casa da esquina.
Um carro freia na esquina, a cidade é pequena, carros na madrugada são raros, um portão bate, grilos cricrilam pelo quintal, um cachorro late ao longe.
Venta lá fora, não vejo, ouço. Ouço o chacoalhar dos galhos dos oitizeiros na calçada, onde as pombas fazem seus ninhos frágeis; o ranger do ferro que serve de suporte à antena da TV onde os bem-te-vis cantam ao amanhecer.
Alguém passa na rua, mais de um, no mínimo dois, conversas misturadas, risadas, parece no mínimo um homem e uma mulher, talvez um casal, o que fazem pelas ruas dessa cidade deserta até essas horas não sei.
O vizinho tosse, dá pra ouvir, as casas são pequenas e próximas nesse bairro, pelo mesmo motivo dá pra ouvir uma descarga no outro vizinho.
Não liguei a TV para não acordar a esposa do sono dos justos, estou cansado de celular, tenho muito sono pra ler alguma coisa. Então fecho os olhos e escuto o mundo. Quase não paramos para escutar o mundo. Bom, acho que estamos perdendo a sensibilidade de ouvir, no geral.
Os sons são os principais habitantes da madrugada.
Oh, insônia dos diabos!