NO ÚLTIMO MOMENTO DAS ONDAS
No último momento das ondas
há uma voz baixinha,
um pouco arquejante pelos cansaços
do mar em vastidões,
que subitamente se escuta
como se se libertasse numa única palavra
lançada à praia, que se solta
e existe solta apenas até
que o leve chiado da espuma na areia
a disfarce e dissipe.
Às vezes nem se entende,
em outras não há quem a escute, mas
a palavra é “saudade”, e quando chega a ser
já sobreviveu a ondas e tempestades,
a ventos, correntes e contratempos.
Soa em momentos frágeis e únicos,
apenas uns instantes logo disfarçados de outros,
roucamente, quase um acaso feliz, e traz
um quase nada da força que as ondas têm.
Mas a vida é assim, um ir e voltar
de ondas em circunstâncias de acaso,
com as quais nem sempre é possível
marcar encontros para ouvir-lhes a voz.
Sabemos que é assim, mas também
que na praia sempre haverá alguém,
com vento nos cabelos
e olhos estreitados ao horizonte,
lendo um mar que não é seu,
e que nem seria mar se o fosse,
e que é salgado por conter lágrimas
mas que também é doce, por ser fortuito...
H.M. 2021