Das Cordas que Vibram
Cantar é jejuar, é criar um corpo sem órgãos, é Ver com v maiusculo. Quando se Vê, se ouve uma voz que te diz Tudo, você não ouve mas ouve, é como uma miração, você Sabe tudo o que tem que saber e nenhuma argumentação é necessaria, você Vê. Cantar é assim. As cordas vibram dentro da garganta, quando bate o vento gelado e dói e você põe a mão sobre ela, a mão quente na garganta gelada de vento gelado: Ai, dói. Você diz. Mas não dói mais do que Cantar no tom errado, fazendo um corpo sem órgãos decadente, odioso e nefasto, sabendo que está fazedo errado, quebrando as vidraças só de vibrar as cordinhas... e Ai, dói, na garganta, dói, perceber que não passou na prova e não está passando, mesmo depois de já ter aprendido a lição. Depois de frequentar a aula, e repetir e fazer e repetir e fazer de novo e repetir. Vem a mesma prova, a mesma questão de química de corpos sem órgãos e... Erra. É cobrir a sua garganta com a mão quente e perceber que o vento já está dentro da carne fria e já está congelando as cordas, arranhando e rasgando tudo... tudo, e se irritar com essa janelinha que pisca no canto direito do seu computador, que pisca, pisca pendurada em nada, pisca e irrita só por existir, essa luz laranjinha que diz nada, no canto que não sai da sua boca.
Boca feita pra comer e nunca, nunca para cantar.